Henrique Meirelles: ‘A ética do trabalho’

A produtividade média do brasileiro está caindo em relação à do americano. Talvez tenhamos esquecido dos deveres do cidadão, diz o ex-presidente do BC.

20/04/2015

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Henrique Meirelles, coordenador do Conselho de Política Econômica do Espaço Democrático e ex-presidente do Banco Central

Uma das grandes motivações das manifestações populares tem sido a insatisfação com os serviços públicos. Não há medidas precisas sobre sua qualidade, mas há uma percepção consolidada de que eles estão em decadência ou não evoluem de forma satisfatória.

Os grandes investimentos do Brasil em educação e o aumento no número de alunos nas escolas e dos anos em que eles estudam, por exemplo, não trouxeram ganhos relevantes na qualidade do ensino, como revela a baixa posição do país em testes internacionais.

Mas os problemas dos serviços no Brasil não estão só nos serviços públicos. Quem usa celular nas grandes cidades tem de enfrentar toda sorte de deficiência de um serviço de baixa qualidade.

Um amigo comprou apartamento e seguiu todos os procedimentos da nossa burocracia. Poucos anos depois, quando precisou de uma certidão da escritura, foi surpreendido pela informação de que o cartório simplesmente não registrou seu imóvel por negligência ou desorganização.

Exemplos assim proliferam pelo país, nas mais diversas áreas, como o leitor bem sabe. Enquanto isso, economistas debatem que o grande desafio para a economia voltar a crescer é elevar a produtividade. Estudos mostram que a produtividade média do brasileiro está caindo em relação à do americano, ao contrário do registrado em outros emergentes.

É um problema abrangente e complexo, sem soluções simples. Antes de tudo, é preciso tomar consciência e nos mobilizarmos para enfrentá-lo no nível individual e nas empresas, privadas ou estatais. É preciso também cobrar isso dos governantes e dos gestores, públicos ou privados, para que cumpram suas responsabilidades e prestem bons serviços.

O Brasil deu passo enorme ao aprovar a Constituição cidadã de 1988. Ela estabeleceu os parâmetros fundamentais do Brasil pós-ditadura e as bases do Brasil moderno, como os direitos individuais, a garantia à propriedade privada, a independência do Judiciário e do Ministério Público, o direito à informação e à liberdade de imprensa – que hoje se mostram fundamentais.

Mas, ao garantir tantos direitos, talvez tenhamos esquecido dos deveres do cidadão. Como disse John F. Kennedy, a pergunta não é só o que o país pode fazer por nós, mas o que nós podemos fazer pelo país. E pelos nossos empregados, empregadores, clientes e, no caso do servidor público, contribuintes.

Está na hora de um grande esforço nacional para recuperarmos a ética do trabalho. Ela precisa estar presente também no uso dos recursos públicos e privados. Ao cumprir bem nossas funções, quaisquer que sejam, estaremos prestando um grande serviço a nós mesmos, às empresas e ao Brasil.

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