Henrique Meirelles: ‘A nova grande marcha’

Para o ex-presidente do BC, a abertura política e econômica da China é um caminho sem volta. "A expansão de sua economia torna o direcionamento estatal cada vez menos eficiente e mais difícil", diz, em artigo.

13/07/2015

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Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

Enquanto a crise grega concentrava a atenção mundial, os mercados chineses foram sacudidos por intensa volatilidade e venda de ações por parte de investidores nacionais e estrangeiros, preocupados com o valor real das empresas e a desaceleração da economia do país.

A China tem dezenas de milhões de investidores individuais em ações, parte do processo de abertura gradual da economia. É sinal de sucesso na transformação de uma economia totalmente governamental para uma cada vez mais regida pela lei de oferta e procura dos mercados. Por outro lado, a dimensão do mercado chinês, em volume e número de investidores, dificulta cada vez mais seu controle pelo regime, que atuou para sustentar o preço das ações das grandes empresas nos últimos dias.

Em reuniões de trabalho no país, é sempre impressionante e animador ver o nível de atenção e esforço dos chineses. É uma cultura que valoriza e qualifica o trabalho, mas praticamente não há direitos trabalhistas. O país empreende o que deve ser um dos maiores investimentos concentrados em educação da história. Realiza também gigantescos programas de investimentos em infraestrutura, produção, produtividade e, mais recentemente, estímulo ao consumo.

As bases dessa transformação econômica são a grande capacidade de trabalho da população, o grande número de trabalhadores, o impressionante nível da poupança e a capacidade de investimento – a infraestrutura sendo o exemplo mais visível. Mas o momento da China é delicado. O governo segue tentando direcionar as grandes variáveis dos mercados apesar da transferência crescente de poder dos burocratas para os compradores e vendedores de bens e serviços atuando nesses mercados.

Esse é um processo sem volta. As limitações da intervenção estatal ficarão cada vez mais evidentes, principalmente pelas distorções que causa. Apesar da recuperação das ações na sexta-feira (10), os investidores têm preocupação crescente de distinguir no preço de uma ação o quanto é valor da companhia e o quanto é resultado das intervenções do governo. O medo é visível depois dos excessos e equívocos em diversas áreas.

Por maior que seja a capacidade de investimento e poupança da China, a expansão de sua economia torna o direcionamento estatal cada vez menos eficiente e mais difícil.

Existem exemplos, em escala muito menor, de transições bem-sucedidas, como Cingapura, que era uma economia totalmente direcionada por um governo autocrático, realizou abertura política e econômica e hoje é próspera e afluente.

Na China, isso tudo ocorre em dimensão gigantesca, e sua evolução para uma economia de mercado, com soluços e volatilidade, será determinante para a economia global.

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 12 de julho de 2015.

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