Henrique Meirelles: ‘Abertura para o futuro’

Em artigo, ex-presidente do BC critica proteção do governo a alguns setores da economia à abertura comercial. "O importante é ter em vista o interesse nacional e o crescimento da economia brasileira", diz.

19/07/2015

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Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

Em palestra a estudantes que viam a globalização como ameaça aos países em desenvolvimento, pedi que definissem o termo. Diante de respostas inconsistentes, enumerei fatos: quando o telégrafo chegou à cidade, aquilo era globalização; quando os produtores da região tiveram acesso ao preço internacional da arroba do boi e puderam negociar melhor sua produção, aquilo era globalização; quando a estrada de ferro chegou, a globalização deu um salto, facilitando as exportações e o comércio. Alguns comerciantes, porém, se julgaram prejudicados, pois o trem trouxe produtos mais baratos ao mercado local, reduzindo sua capacidade de controlar preços e elevar lucros.

Em todo avanço, há prejudicados. A máquina a vapor, por exemplo, acabou com o mercado dos tecelões manuais na Inglaterra, que protestaram violentamente. Mas o operário que aprendeu a usá-la passou a produzir e a ganhar mais. Ninguém hoje quer a volta dos tecelões manuais para gerar mais empregos via piora da produtividade, da renda, das condições de trabalho e da tecnologia.

Alguns setores protegidos pelo governo são contra a abertura comercial, pois enfrentarão a competição dos importados. Mas a importação de produtos, peças e tecnologias aumenta a capacidade competitiva da indústria, do comércio e dos serviços.

O Brasil tem exemplos muito bem sucedidos nesse sentido. Nossa indústria aeronáutica fabrica aviões que competem com companhias globais porque pode importar componentes de alta tecnologia. Isso não reduz o valor adicionado no Brasil, pelo contrário. Aumenta a quantidade exportada, a qualidade do trabalho e o nível de renda dos trabalhadores.

É preocupante ver agora a Europa contestando na OMC as proteções comerciais do Brasil em vasta gama de produtos e setores. A ação deixa clara, de forma penosa, a nossa visão ainda retrógrada de comércio internacional, que crê em fechamento e proteção de mercado, como na política de conteúdo nacional na indústria de petróleo. O resultado é aumento de custos e preços, atraso tecnológico e redução da produtividade. Isso é grave, dado o consenso de que o maior desafio de nossa economia hoje é elevar a produtividade.

Quando o governo cria distorções e setores protegidos, é compreensível que as empresas façam planos de investimentos de longo prazo baseadas numa determinada regra protecionista e a defendam, por mais retrógrada que seja. Por isso, qualquer alteração importante das regras, mesmo para melhor, deve ser feita de forma gradual, mas constante, dando tempo a adaptações e replanejamento estratégico.

O importante é ter em vista o interesse nacional e o crescimento da economia brasileira. Para isso, a abertura comercial é fundamental.

 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 19 de julho de 2015.

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