Henrique Meirelles: ‘Correntes profundas’

Para retomar taxas de crescimento econômico mais altas, ajuste terá que enfrentar questões como o tamanho do Estado, a carga tributária, a burocracia e o ambiente precário de negócios.

01/06/2015

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Henrique Meirelles, coordenador do Conselho de Política Econômica do Espaço Democrático e ex-presidente do Banco Central

Na década de 1990, tive experiência profissional no exterior que me ensinou muito sobre o Brasil. Naquele período, de grande instabilidade, a tensão era maior às sextas, o dia mais comum para o anúncio de medidas econômicas –os famosos pacotes.

Apesar de toda as especulações, análises e frenesi, pouca coisa de fato mudava na economia, que seguia guiada por fundamentos precários não atingidos pelos movimentos de curto prazo –como os navegadores portugueses, que, apesar das ondas na superfície, se guiavam pelas correntes profundas.

Depois dessa temporada no exterior, e dos diversos momentos frenéticos do período, voltei e encontrei a economia brasileira praticamente da mesma forma de quando saí.

Esses pensamentos me voltaram depois do anúncio dos cortes no Orçamento e o barulho criado em torno dele. O debate econômico chegou a ser conduzido pela análise facial do ministro da Fazenda, se sua tosse numa entrevista dias depois era prova da gripe que o teria tirado do anúncio, se a relação de forças na equipe econômica estava mudando, se o ministro estava de saída.

Apesar de toda essa discussão, ela pouco revela sobre a evolução do ajuste. Na realidade, quase nada mudou em relação ao que acontecia antes do polêmico anúncio. Desde o início, estava claro que havia duas linhas de pensamento no governo – uma na Fazenda, outra no Planejamento. Essa pluralidade já aconteceu muitas vezes e não foi impedimento para o sucesso de políticas econômicas.

Na corrente mais profunda que conduz a economia, o ajuste econômico prossegue. É um ajuste que tem problemas, mas não os especulados na semana passada. Começa a ficar claro que o ajuste tem componente muito forte de aumento de receitas, e isso acentua problemas estruturais da economia brasileira, como a complexidade fiscal e a pesada carga tributária, prejudiciais ao crescimento de longo prazo.

Neste momento, no entanto, o fundamental é assegurar a solvência das contas públicas. O ajuste não é o que deveria ser, mas, se corretamente implementado, deve permitir ao Brasil voltar a crescer a taxas modestas nos próximos anos. Para retomar taxas mais altas, será preciso enfrentar questões mais profundas, como o tamanho do Estado, a carga tributária, a burocracia, o ambiente precário de negócios. Há, porém, soluções que podem dar respostas mais rápidas e estimular o crescimento, como o investimento em infraestrutura com regras corretas e não intervencionistas.

Devemos, portanto, nos concentrar mais nas correntes profundas da economia, como a inflexão da política econômica em relação aos quatro anos anteriores, que segue seu curso. Em resumo, está tudo como dantes no quartel de Abrantes.

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