Henrique Meirelles: ‘Êxodo’

Em artigo, ex-presidente do Banco Central comenta que, se a crise persistir ou mesmo aumentar, drenará o Brasil de cérebros com qualificação técnica, que pensam em deixar o país por falta de perspectivas.

18/10/2015

FacebookWhatsAppTwitter

Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

 

Escuto com frequência cada vez maior brasileiros falando em deixar o país. As razões citadas são diversas: falta de perspectiva econômica, desânimo com a situação política, corrupção, desconfiança do futuro.

Permeando tudo isso, existe uma grande frustração depois da sensação na década passada de que o Brasil tinha conseguido finalmente superar suas dificuldades históricas e entrado numa rota de crescimento, criação de empregos, geração de riqueza e estabilidade econômica.

A reversão rápida e brutal dessas expectativas deixa um sabor amargo nas pessoas e traz sentimentos de decepção e até de revolta que estimulam o desejo de desistir e de deixar o país.

O Brasil, historicamente um país acolhedor de imigrantes, viveu essa fuga pela primeira vez durante as décadas de 1980 e 1990, período marcado por grave deterioração econômica e pela hiperinflação.

Naquela época, o fenômeno era mais localizado em profissionais de menor qualificação técnica e mais vulneráveis à hiperinflação, que partiam principalmente para os Estados Unidos e o Japão em busca de melhores oportunidades.

O fenômeno atual é ainda incipiente, mas tem características mais abrangentes. Ele atinge todos os níveis de trabalhadores, mas principalmente os de maior qualificação profissional. É uma tendência ainda não relevante do ponto de vista numérico, mas, se a crise persistir ou mesmo aumentar, terá consequências graves, pois drenará o Brasil de cérebros com qualificação técnica e competência.

O que existe hoje de fato é um número enorme de pessoas que aspiram fazer esse movimento migratório, a primeira fase de um longo processo já vivido por países vizinhos ao nosso, como a Argentina e a Venezuela.

É comum encontrar, nos centros comerciais e financeiros do mundo, profissionais argentinos altamente qualificados, tecnicamente brilhantes e em posições de alto relevo. É péssimo para a Argentina, que perdeu alguns de seus melhores quadros e com eles parte de sua capacidade de criar um futuro melhor.

Para estancar este processo tão destrutivo, é muito importante que o Brasil equacione a crise política para poder retomar o crescimento e tenha uma liderança que aponte caminhos de futuro para todos.

Depois da decepção causada pela reversão de grandes conquistas socioeconômicas da década passada, é fundamental retomar a confiança no futuro e combater o sentimento hoje prevalente em muitas pessoas de que o país está em rota de decadência.

Se esse sentimento crescente de frustração e desencanto não for estancado, a perda de talentos e cérebros se tornará uma realidade a comprometer o futuro do Brasil. 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 18 de outubro de 2015.

FacebookWhatsAppTwitter

  0 Comentários

FacebookWhatsAppTwitter