Henrique Meirelles: ‘Farol argentino’

As decisões do presidente argentino Maurício Macri refletem a compreensão de que o governo deve deixar a economia funcionar em base realista para crescer mais e gerar mais renda e emprego, avalia o ex-presidente do BC.

04/01/2016

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Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

 

É na Argentina onde acontecem os eventos mais significativos para a América Latina nesta virada de ano, com potencial de impactar a região por muito tempo.

Logo depois de sua posse, o governo do presidente Maurício Macri começou a tomar decisões importantes como a liberação das exportações e do câmbio e a eliminação de restrições à imprensa. Por sua vez, a agora oposição acusa Macri de ser antidemocrático e de tomar medidas que favorecem produtores agrícolas e grandes órgãos de mídia.

Os governos Kirchner que antecederam Macri elevaram as despesas públicas muito além da capacidade de arrecadação e financiamento do país. O Banco Central, na mesma linha, não adequou a política monetária ao crescente gasto governamental. O resultado, previsível, foi o aumento da inflação.

Mas esse grupo de pensamento estatizante que predominava na Argentina tende a analisar a economia basicamente focando nos seus efeitos imediatos, não nas suas causas. Com a alta da inflação, o governo Kirchner passou a divulgar índices de preços falsos enquanto proibia a divulgação de índices verdadeiros por economistas independentes. E ainda adotou medidas intervencionistas duras, como proibir a exportação de grãos para forçar os agricultores a venderem o produto no mercado interno a preço menor.

O efeito foi desastroso. Os agricultores se recusaram a vender produtos abaixo dos custos, que subiam muito, enquanto a queda nas exportações gerou escassez de dólares na economia.

A decisão de Macri foi não só liberar as exportações como também o mercado de câmbio. Isso gerou, naturalmente, uma forte desvalorização da moeda, o que estimula as exportações de grãos e também de produtos manufaturados, antes inviáveis pelo câmbio artificialmente controlado. E o mercado cambial agora já se estabiliza dentro da realidade do país.

Essas são só algumas das medidas tomadas por Macri para permitir um melhor funcionamento da economia como um todo. A oposição kirchnerista, porém, adota a argumentação apaixonada de que as medidas são negativas, pois beneficiariam de imediato grandes produtores agrícolas e donos de jornais.

A posição de Macri reflete a compreensão dominante em economias mais relevantes de que o governo não deve intervir para beneficiar um ou outro setor escolhido pela burocracia estatal, mas sim deixar que a economia funcione em base realista para crescer mais e gerar mais renda e emprego, o que, em última análise, beneficia a todos, particularmente os mais pobres.

Os países latino-americanos devem acompanhar os desdobramentos argentinos com interesse e isenção, pois eles podem nos trazer muitas lições neste ano e nos próximos.

 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 3 de janeiro de 2016.

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