Henrique Meirelles: ‘Independência pela meta’

A independência do Banco Central é necessária, diz, em artigo, o ex-presidente da instituição. "O assunto extrapola em muito as questões políticas", diz.

06/04/2015

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Henrique Meirelles, coordenador do Conselho de Política Econômica do Espaço Democrático e ex-presidente do Banco Central 

 

O presidente do Senado declarou apoio ao projeto de independência do Banco Central do Brasil. Segundo analistas, o movimento se insere nas disputas conjunturais entre Executivo e Legislativo. O assunto, porém, extrapola em muito as questões políticas.

A independência dos BCs resulta de longo e duro aprendizado das autoridades políticas e monetárias de todo o mundo engajadas no controle da inflação e na manutenção da estabilidade. Com a instabilidade financeira no centro das crises econômicas recentes, os BCs assumiram papel ainda maior no controle de riscos à estabilidade e ao crescimento. Diante dessa evolução, a independência dos BCs, estabelecida em lei em quase todos os países economicamente relevantes, adquire importância ainda maior.

A independência é necessária diante do conflito básico entre a visão de curto prazo atrelada a ciclos eleitorais ou fiscais e as decisões de maior prazo tomadas pelos BCs, que podem ser negativas no curto prazo. Por exemplo, se a inflação sobe e gera a necessidade de alta de juros, a medida pode ser muito impopular no curto prazo, pois reduz a atividade e o emprego e aumenta o custo da dívida pública antes de reduzir a inflação. Mas, se o BC não agir, a inflação reduz o crescimento e piora o padrão de vida da população.

A independência inclusive protege o governante dessas decisões. Quando o “novo trabalhismo” chegou ao poder no Reino Unido nos anos 1990 liderados por Tony Blair e Gordon Brown, a dupla fez acordo para que o primeiro fosse premiê e o segundo, ministro da Fazenda. Brown, em seu primeiro ato, propôs a independência do BC. Blair, surpreso, retrucou: “Brown, pensei que você tivesse ambições políticas”. Brown respondeu: “Faço isso justamente porque tenho ambições políticas e não quero ser responsável pela taxa de juros do país”.

A sábia decisão permitiu ao BC tomar medidas duras no curto prazo que asseguraram estabilidade e crescimento por longo período, trazendo benefícios a todos, inclusive ao trabalhismo de Blair-Brown.

É importante que o BC possa ter mandatos e metas claras (como as de inflação e estabilidade financeira), definidas e aferíveis pela sociedade por meio de processos políticos e institucionais aos quais ele presta contas. A independência não reside em fazer o que se quer, mas em cumprir metas com instrumentos definidos. A história comprova a eficiência dos BCs independentes, inclusive no Brasil, onde inflação e juros caem de forma expressiva e sustentável dentro dos ciclos monetários quando prevalece a independência mesmo que informal.

Neste ano em que celebramos os 50 anos do Banco Central, quem sabe ele não consegue sua maioridade, ou melhor, sua independência legal.

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 5 de abril de 2015.

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