Henrique Meirelles: ‘Sob a névoa da crise’

Para o ex-presidente do BC, para superar a situação atual do país, é importante aproveitar a experiência obtida pelo Brasil "de décadas de crises, reforçada por redes de proteção criadas no período de estabilização".

09/08/2015

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Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

Analistas políticos consideram que uma possível solução sem ruptura para a crise política decorreria da superação da crise econômica. Para isso ocorrer, no entanto, seria necessário a recuperação da confiança e dos investimentos, o que depende em larga medida da resolução da crise política. Esse forte ciclo de retroalimentação das crises dificulta soluções no curto prazo.

Por outro lado, a população acostumou-se à estabilidade macroeconômica e política da década anterior e tem mais dificuldade para enfrentar a crise atual. O país, porém, passou por número suficiente de crises no passado para desenvolver experiência no seu enfrentamento nos planos pessoal, empresarial e público.

Mecanismo de correção monetária criado no fim dos anos 1960, por exemplo, se por um lado favoreceu a indexação de preços, por outro permitiu ao país funcionar mesmo em escalada hiperinflacionária de décadas posteriores, que causou colapsos econômicos e políticos em outros países.

É fundamental usar essa experiência de décadas de crises, reforçada por redes de proteção criadas no período de estabilização, como:

1) O alto volume de reservas internacionais, que, se preservado mesmo diante da alta do dólar, garante proteção cambial e estabilidade no comércio internacional. O mercado de câmbio funciona normalmente, apesar da forte desvalorização do real. E o ajuste cambial eleva a competitividade das exportações.

2) A experiência da população de que é possível ter inflação baixa. Quando ela subiu neste governo, as pesquisas e as manifestações deixaram clara a reação popular. A inflação baixa e controlada da década anterior foi incorporada pelos brasileiros como valor fundamental, um ganho enorme da sociedade.

3) A valorização da responsabilidade fiscal e do uso eficiente dos recursos públicos, menos evidente que o apoio à inflação baixa, mas já predominante. A inserção internacional do país reforça este fato, pois os mercados antecipam a deterioração fiscal e soam alarmes.

4) O sólido sistema financeiro do país, sem a fragilidade do passado. Em crises recessivas, a fragilidade causava colapso de bancos e do crédito, agudizando a situação e demandando aportes fiscais de alto custo.

É importante, portanto, ver o quadro completo para enfrentar a crise com as devidas serenidade e racionalidade em todos os planos, elevando a produtividade, reorganizando gastos e custos e cobrando posição mais responsável de governantes e políticos.

A névoa da crise turva o cenário, mas esses movimentos já estão em andamento no país, clareando o caminho enquanto o drama político segue seu curso.

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 9 de agosto de 2015.

 

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