Henrique Meirelles: ‘Vício e virtude’

Para o ex-presidente do BC, é fundamental que o reequilíbrio das contas públicas seja conduzido por uma liderança que tenha força política e capacidade de transmitir à sociedade que ele será bem-sucedido e benéfico a todos.

28/12/2015

FacebookWhatsAppTwitter

Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

O Brasil enfrenta a correção de um período de excessivo gasto público e suas consequências socioeconômicas, como o aumento das incertezas sobre a solvência futura do Estado e a consequente diminuição dos investimentos e do consumo. É uma dinâmica negativa que provoca desemprego, inflação e juros altos.

O ajuste tentado em 2015 é necessário, mas o custo é desnecessariamente maior quando ele não tem força e credibilidade suficientes para gerar confiança. Se restaurada, a confiança estimula a retomada do investimento, do consumo e do crescimento, aumentando a arrecadação fiscal e facilitando o processo de ajuste.

É sempre importante aprender com as experiências de outros países. O moderado premiê italiano, Matteo Renzi, disse nesta semana que as políticas de austeridade estão estimulando o populismo na Europa, inclusive o populismo fiscal.

A Espanha, por exemplo, é um dos países que têm implantado reformas e ajustes com relativo sucesso. O partido governista, o PP, foi o mais votado nas eleições gerais, mas partidos de oposição, com propostas populistas, podem formar maioria no Parlamento e assumir o poder. Processo similar ocorreu em Portugal.

Já governos de países como Reino Unido, Irlanda e Alemanha implantaram políticas de ajuste fiscal e reformas pró-crescimento que tiveram sucesso econômico e eleitoral.

Qual a diferença? A montagem de um círculo virtuoso versus um círculo vicioso. No Reino Unido, na Irlanda e na Alemanha há uma valorização política da austeridade e do trabalho. Isso permite ao governo adotar medidas duras que enfrentam oposição e críticas ferozes, mas contam com suficiente adesão popular, eleitoral e política. O resultado é uma maior confiança dos agentes econômicos na sustentabilidade do ajuste, o que eleva os investimentos, o emprego, a renda e a arrecadação –acelerando o processo.

Dinâmica oposta ocorre em países onde as condições políticas ameaçam os ajustes. Aplicados nessas circunstâncias, esses programas colhem muitas vezes o pior dos mundos: o custo do ajuste sem boa parte dos seus benefícios.

Em resumo, é fundamental que o reequilíbrio das contas públicas seja conduzido por uma liderança que não só acredite verdadeiramente no processo, como tenha força política e capacidade de transmitir à sociedade que ele será bem-sucedido e benéfico a todos. Nesses termos, sua chance de sucesso aumenta muito e seu custo cai substancialmente.

O processo é mais eficaz e transformador se vier acompanhado de reformas pró-crescimento (fiscal, trabalhista e previdenciária), que restaurem a capacidade de crescer de forma sustentável e vigorosa. Assim poderemos ter anos muito melhores à frente.

Um ótimo 2016 a todos.

 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 27 de dezembro de 2015.

FacebookWhatsAppTwitter

  0 Comentários

FacebookWhatsAppTwitter