Henrique Meirelles: ‘Xadrez chinês’

Para o ex-presidente do BC, não compete ao governo definir a melhor taxa de câmbio baseado em objetivos específicos. É preciso refletir a realidade dos fundamentos econômicos e dos fluxos de capitais.

17/08/2015

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Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

 

Os mercados foram sacudidos pela desvalorização da moeda chinesa, o yuan. Muitos viram o início de uma grande guerra cambial: a ação chinesa visaria baratear suas exportações e seria seguida por desvalorizações em outros países, com consequências imprevisíveis. Outros apontaram uma completa reversão da política de fortalecimento do yuan e de sua transformação em moeda forte de reserva internacional.

Leitura mais atenta dos comunicados do Banco Popular da China (o BC chinês), contudo, revelou que a mudança cambial havia sido feita para ajustar o yuan às taxas de mercado. E eles ainda reafirmavam o objetivo de longo prazo de transformá-lo em moeda de reserva. O BC chinês fez exaustiva pesquisa nos mercados para determinar um patamar que refletisse melhor a situação atual do yuan e procurou fixar a nova taxa para adequá-la aos movimentos cambiais dos últimos tempos. As declarações das autoridades, portanto, vão no sentido contrário ao inicialmente entendido.

Mas se era para seguir o mercado, por que simplesmente não deixar a taxa flutuar? Esta é uma questão mais profunda, relacionada ao movimento gradual da China em direção a uma economia de mercado. O BC chinês ainda fixa as taxas de câmbio, mas se movimenta para trazê-las à realidade do mercado dentro da meta de longo prazo de adequação a uma livre flutuação da moeda. As ações desta semana mostram mais uma vez as dificuldades do controle governamental dos mercados e a transição para uma economia mais aberta, já claras na volatilidade da Bolsa chinesa.

É fator relevante também ao Brasil, onde a visão de que o câmbio deve ser controlado ainda prevalece em setores importantes, apesar dos avanços nas últimas décadas. A estabilização e o forte crescimento da economia brasileira na década passada aumentaram gradualmente a entrada de investimentos e capitais, valorizando o real, movimento depois reforçado pela melhora dos preços das commodities. Isso está correto desde que seja ancorado na realidade e é muito ruim se for mantido artificialmente, gerando custosos desequilíbrios e crises.

A moeda brasileira sofreu forte depreciação recente em função dos problemas econômicos e políticos e da queda dos preços de commodities. Essa desvalorização do real, por um lado, aumenta a inflação. Por outro, eleva a competitividade das exportações e diminui as importações, ajudando a reequilibrar o balanço de pagamentos do país.

Como a história mostra, não compete ao governo definir a melhor taxa de câmbio baseado em objetivos específicos. Taxa de câmbio boa é a que reflete a realidade dos fundamentos econômicos e dos fluxos de capitais saindo e entrando a cada momento.

 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 16 de agosto de 2015.

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