Folha de S.Paulo: ‘Esta agência não existe’

Em editorial, jornal paulistano avalia se consumidores estão cientes de seus direitos no que se refere à prestação de serviços de telefonia móvel. "Quando se derem conta de que ainda estão no purgatório das telecomunicações, contudo, terão de reclamar ao bispo, porque a Anatel não atende", diz o texto.

18/03/2014

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Folha de S.Paulo – Editorial

Há mais coisas entre o céu das ligações telefônicas e o terreno árido das comunicações brasileiras do que pode sonhar sua clientela esperançosa – como um órgão regulador fora da área de alcance e uma pesquisa de satisfação desconcertante, entre outros prodígios.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) protagoniza um exemplo kafkiano das agruras do usuário de telefonia, como relatou Leão Serva nesta Folha.

Cansado de ouvir gravações mendazes de operadoras de celular, ao estilo “o número discado não existe”, o colunista tentou o telefone 1331, o canal da Anatel para reclamações de usuários. Precisou teclar 115 vezes até ser atendido. Eficiência de 0,87%, portanto.

O coro dos contentes se fez ouvir no levantamento do Sips (Sistema de Indicadores de Percepção Social) sobre serviços de telecomunicação. Divulgado no último dia 13, foi realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do governo federal.

O Sips apresentou uma útil radiografia da disseminação de TV aberta (91% dos domicílios), telefone celular (85%), fixo (54%), computador (48%), internet (41%) e TV por assinatura (27%) no Brasil. Ao mesmo tempo, o Ipea traçou um panorama benevolente da qualidade dos serviços ao sondar a opinião de moradores de 3.809 domicílios em 212 municípios do país.

Em 66% dos lares visitados os habitantes avaliaram de forma positiva o serviço de celulares. No caso de usuários de banda larga, 69% se deram por satisfeitos. No de TV por assinatura, 87%.

O próprio relatório do Ipea assinala que essa avaliação condescendente está em conflito manifesto, ao menos no que toca aos celulares, com o alarido de reclamações feitas por clientes aos órgãos de defesa do consumidor. Em geral, a telefonia móvel se reveza com os bancos no posto de campeão em queixas.

O documento também indica um possível componente da leniência dos entrevistados: desconhecimento. Afinal, 39% dos usuários ignoram, por exemplo, se os pacotes de tráfego de dados que contratam incluem ou não um limite de volume; dos que sabem dizer, 36% desconhecem qual a consequência prevista caso o ultrapassem.

Uma interpretação possível é que muitos dos entrevistados tenham obtido acesso a tais serviços há pouco tempo e tendam a avaliá-los bem só por serem, enfim, capazes de usá-los. Quando se derem conta de que ainda estão no purgatório das telecomunicações, contudo, terão de reclamar ao bispo, porque a Anatel não atende.

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