Roberto Macedo: ‘Economia brasileira sai mal no filme’

Coordenador do Núcleo de Estudos do Espaço Democrático diz, em artigo, que as políticas econômicas adotadas pelo governo federal são ditadas quase que exclusivamente pelo desejo de se manter no poder, e não pelas regras de uma boa gestão.

20/02/2014

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Roberto Macedoeconomista e coordenador do Núcleo de Estudos do Espaço Democrático. 

É comum dizer que algo ou alguém saiu mal na foto. É o que acontece hoje com a economia brasileira. Mas a foto não diz como se chegou a tal situação. Assim, é melhor um filme que revele a história. Como neles, a economia segue um roteiro, tem atores principais e coadjuvantes e pode-se falar também da sua direção.

Por falar em filmes, a premiação anual pelo Oscar vem aí, conferida por uma academia do ramo. Em economia a láurea mais importante é o Nobel, que também alcança outras áreas. E há ainda o Ig Nobel. A instituição que o confere busca pesquisas que fazem rir, e também pensar. É coisa séria misturada com humor.

Por exemplo, em 2009 a pesquisadora Elena Bodnar foi premiada por inventar um sutiã que pode ser rapidamente convertido numa máscara que protege o nariz e a boca da inalação de substâncias danosas. A invenção foi depois patenteada e creio que interesse aos que saem às ruas para se manifestar no Brasil. Como poderia ser usada por homens? Deixo a resposta para a imaginação do leitor.

Passando ao filme que mostrarei, a economia brasileira é uma produção gigantesca dos que nela trabalham no agronegócio, na indústria e nos serviços. Contudo a direção que o governo federal tenta dar-lhe não tem nada de Nobel nem de Ig Nobel. Não provoca risos, mas lamentos. Economicamente tem, entretanto, um quê de “igno”.

Começando de meados da década passada, a demanda internacional de nossas commodities agrícolas e minerais, em particular da parte da China, teve papel importante na produção brasileira. Aliás, creio que então o Partido Comunista Chinês fez mais pelo Brasil do que qualquer partido político nacional.

O governo federal segue um roteiro que se expressa na política econômica que pratica. Mas ela é ditada quase que exclusivamente por seu desejo de se manter no poder, e não pelas regras de uma boa gestão econômica. Na sua essência, são normas consagradas pelo bom senso e de eficácia comprovada pela experiência internacional.

Assim, no período de vacas gordas que marcou um bom pedaço da década passada faltou o cuidado de fortalecer a economia, até para evitar ou aliviar a fase de vacas magras que hoje se configura. Como na parábola do filho pródigo, este antes de sua regeneração, que aqui ainda não se vê, o governo optou por estimular o consumo e a distribuição de benesses, sem dar a devida atenção à poupança e ao investimento para fortalecer a capacidade produtiva do País e torná-lo menos dependente dos ventos que vêm de fora.

Agora, com a fria ventania que prejudica nossas exportações e com importações ainda estimuladas pelo consumismo, sobreveio um desequilíbrio das contas externas do País. Mesmo ainda embrionário, leva atores econômicos internos e externos a uma atitude de precaução, trocando ativos nacionais por estrangeiros, o que também desvaloriza o real e provoca surtos de insônia no dragão da inflação.

Esta vem essencialmente de um desequilíbrio entre a demanda e a oferta da economia como um todo. Mas, sem atacar suas causas, o governo insiste em conter efeitos, segurando preços como os de petróleo e energia. Num efeito colateral, prejudica empresas estatais que, paradoxalmente, diz orgulhar-se de defender. Com isso o dragão inflacionário reduz um pouco a insônia, mas na bula desse remédio está escrito que acordará mais energizado posteriormente. Uma das razões é que a oferta futura de produtos com preços controlados não se expandirá como devia, porque tal controle desestimula investimentos capazes de ampliá-la.

O aspecto mais sério e complicado é o de como a própria direção se apresenta. Além de atacar inadequadamente a inflação, insiste em gastar muito mais do que arrecada. Dessa forma também contribui para estimular a demanda agregada da economia e recorre à criatividade contábil para dissimular seu desequilíbrio. Mas quem examina suas contas não é bobo e a contabilidade criativa se torna destrutiva da confiança de atores econômicos, em particular de investidores.

Igualmente impulsiona a desconfiança um nada transparente orçamento paralelo de financiamentos, como os do BNDES, concedidos a juros subsidiados e bancados com mais dívida pública. Também aí o governo dissimula ao dizer que sua dívida líquida não cresce com tal esquema, pois os correspondentes aumentos de dívida são compensados pelos créditos adicionais que acumula ao emprestar. Só que o padrão internacional para a análise do endividamento público é a dívida bruta, em face dos riscos envolvidos nesses créditos e dos custos dos subsídios.

Assim, a desconfiança na gestão governamental e o que se passa na inflação e nas contas externas compõem um quadro perigoso. Além do impacto na taxa cambial, estimula a saída de capitais, leva ao aumento dos juros internos e dos externos cobrados nos financiamentos a empresas brasileiras. E a um ambiente desfavorável à realização de investimentos capazes de ampliar com vigor as taxinhas de crescimento que marcam o produto interno bruto (PIB) brasileiro.

O governo reclama que o Brasil é diferente e que não merece estar em grupos de países tidos como vulneráveis. Mas com esse filme em que sua direção só pensa em agradar ao eleitor, sem enfrentar com eficácia as muitas dificuldades existentes, quem a ele assiste, e ao fracasso de países que seguiram o mesmo roteiro, não vê um final feliz.

São várias as academias que dão notas a filmes de países na gestão de sua economia. Recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deu ao do Brasil uma nota baixíssima. No mês que vem ouviremos vozes de outra academia, a das agências de risco que falam individualmente.

Dada essa obsessão eleitoreira que orienta a direção, não creio em mudanças eficazes, exceto se na próxima escolha a plateia optar por outro filme, que siga a linha do bom senso e com outro elenco.

Artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 20 de fevereiro de 2014.

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