ARTIGO

Roberto Rodrigues: ‘Terra para estrangeiros’

Em texto no jornal O Estado de S. Paulo, ex-ministro da Agricultura analisa mitos sobre a aquisição de terras por estrangeiros e defende urgência na decisão do parlamento

09/12/2019

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Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas

 

Está para ser votado no Congresso Nacional um projeto de lei tratando da aquisição de terras por estrangeiros.

Trata-se de assunto aparentemente polêmico, embora não exista nenhuma razão econômica sensível para isso. A legislação que trata do tema sofreu diferentes interpretações ao longo dos anos, mas a última, feita em 2008, terminou inibindo a compra de terras por estrangeiros. Essa mudança se deveu basicamente a fatores ideológicos. Mas ninguém virá comprar terra no Brasil para levá-la embora: o estrangeiro que adquirir uma fazenda aqui vai ter de exercer atividade agropecuária nela, ou terá a área desapropriada por não cumprir o papel social previsto na Constituição de 1988; e estará sujeito a todas as demais regras que afetam o setor, sejam jurídicas, sejam trabalhistas, ambientais, tributárias e fiscais, sejam quais forem. E, ao produzir, estará comprando insumos, máquinas e equipamentos nacionais, contratando trabalhadores brasileiros de todos os níveis, gerando riqueza e renda para o País.

Alguns mitos sobre a questão merecem análise.

Por exemplo, existe a falácia de que o uso da terra por longo tempo a esgotaria. Bobagem: com tecnologia adequada, sobretudo no uso de fertilizantes e corretivos, a terra até melhora ao longo do tempo. Bom, mas e se não for usada a tecnologia preservacionista indicada? Nesse caso, o investidor não terá produtividade e acabará quebrando, estrangeiro ou brasileiro.

Também se diz que a venda de terras a estrangeiros produziria correntes migratórias indesejáveis. Errado: temos mão de obra suficiente para as práticas agrícolas, e quem vier de fora para investir aqui traria eventualmente apenas gente para gestão e governança, ajudando a formar uma cultura melhor nesse aspecto.

Ou que há o risco de um indivíduo de fora vender para seu país alimentos aqui produzidos por preços subfaturados. Ora, existe legislação altamente eficaz contra esse desvio de conduta. E, ainda pior, exportar sua produção traria fome ao nosso povo, hipótese absurda: basta verificar que somos hoje um dos maiores exportadores mundiais de alimentos que sobram da enorme quantidade gerada para o consumo interno.

Por outro lado, fala-se na possibilidade do encarecimento das terras, o que inviabilizaria sua aquisição por brasileiros. Nosso território é tamanho que essa hipótese é irreal, segundo avaliam grandes compradores nacionais de terra. Em suma, não há nenhuma razão econômica para esse impedimento. Ao contrário, há boas razões a favor: seriam gerados empregos para trabalhadores brasileiros, seriam consumidos fatores de produção nacionais, haveria aumento das exportações, da renda e da riqueza do País.

Afinal, aceitando a tese do USDA de que temos de aumentar nossa produção de alimentos em 40% em 10 anos para que o mundo cresça a metade e assim haja segurança alimentar global, temos mais é que ampliar a produção para cumprir essa missão de forma sustentável, como exigem consumidores do mundo todo.

A legislação preexistente já estabelece limites da área de um município que pode ser adquirida por estrangeiros. Também está claro que uma larga faixa de fronteira não pode pertencer a estrangeiros, especialmente vizinhos, porque isso dificultaria o combate ao contrabando, tráfico de drogas e também o controle sanitário. Faz todo sentido. Também parece evidente que compras de áreas muito grandes demandariam investimentos em infraestrutura, o que poderia ser realizado pelos compradores, em benefício dos produtores brasileiros da região.

Fica um tema para discussão: fundos soberanos poderiam comprar terra aqui? Há grande oposição a essa hipótese, e talvez ela deva ser aceita em busca de um consenso político quanto à matéria, mesmo que tal decisão implicasse estabelecer mecanismos rigorosos para verificar se o investidor teria recursos dessa origem “disfarçados” de alguma maneira. No mais, o que precisamos é desenvolver o setor rural cada vez mais, para que ele continue a ser um importante vetor do crescimento nacional. Por isso é desejável que o nosso Parlamento se debruce cuidadosamente sobre o tema e decida de uma vez por todas as regras a serem seguidas.

 

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 8 de dezembro de 2019.

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