Um basta à farra do boi

Carol Stein, integrante do coletivo Brasil contra Farra do Boi, denuncia que, embora proibida por lei, a prática ainda existe no litoral de Santa Catarina

27/03/2019

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Carol Stein, militante da causa animal e integrante do coletivo Brasil contra farra do Boi

 

A farra do boi é um ritual típico do litoral de Santa Catarina. Consiste em soltar um boi em um local ermo e, assim, “farrear”, fazendo o animal correr atrás das pessoas que participam. Por percorrer distâncias e fugir, o animal fica exausto.

Bovinos são, originalmente, criaturas dóceis e pacíficas. Para que o animal chegue ao extremo de correr atrás de pessoas é preciso irritá-lo, agredi-lo. Os farristas, como são chamados os praticantes da farra do boi, consignam ou compram o animal por um determinado valor, em alguns casos, ganham de traficantes e até políticos, deixando-o confinado por 24 horas, sem comida ou água, e também provocando para que fique arredio. Em alguns casos, até mesmo o rabo é cortado para aumentar a fúria. Tudo para que, quando for solto, ele parta para o ataque. É uma espécie de tourada pública com centenas de participantes. Homens, jovens e adolescentes em grande maioria, mas também mulheres e até crianças participam da barbárie.

A tradição controversa acabou proibida há 21 anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros consideraram a prática “intrinsecamente cruel”. A lei de Crimes Ambientais prevê prisão de até um ano para quem se envolva na farra. Ainda assim, a manifestação é rotineira no litoral catarinense.

Somente em 2017 foram registradas mais de 147 ocorrências pela Polícia Militar. Na Páscoa de 2018, um farrista morreu em decorrência do ferimento provocado pelo boi, em Governador Celso Ramos, o município que é maior reduto da prática. Embora aconteça o ano inteiro, o período entre a Sexta-feira Santa e o domingo de Páscoa concentra a maior parte dos episódios. Desde o início da Quaresma foram registradas oito ocorrências.

A sazonalidade não é gratuita: herança do catolicismo antigo, o boi é visto na farra como a representação de Judas, tido como traidor de Cristo. A simbologia religiosa é a carta branca para que os farristas cometam, sem culpa, quaisquer atrocidades, mesmo que a Igreja Católica se oponha duramente contra a prática, que alega ser pagã.

Por que é necessário que toda a sociedade se mobilize para cobrar de Santa Catarina um combate mais ostensivo pelo fim da farra:

– A farra do boi promove aglomeração de pessoas cujo único objetivo é maltratar um animal; um crime previsto na Lei Ambiental 9.605/98.

– Nessas aglomerações há tráfico de drogas, excesso de bebida, baderna e enfrentamentos à comunidade local que se opõe. São frequentes as denúncias de casas apedrejadas, ameaças de atear fogo em residências e carros, além de afrontamentos diretos aos moradores. Há vários relatos que chegam anonimamente ao Coletivo Brasil Contra a Farra, grupo de voluntários que promove o monitoramento e ações de combate ao crime. A baderna que dura a madrugada toda se enquadra na Lei de Perturbação ao Sossego, nos moldes do artigo 42 do Decreto-Lei Nº 3.688/41.

– O boi invade pátios, casas, sobe em carros e entra em estabelecimentos comerciais, o que configura danos ao patrimônio público, crime previsto na Lei nº 13.531/2017.

– Os farristas retiram o brinco do animal para que o mandante não seja identificado. Articulam-se em grupos secretos do Facebook e Whatsapp e promovem a farra, muitas vezes, armados. Toda essa articulação configura associação criminosa, crime previsto na Lei 12.850/2013.

– Áreas florestais são desmatadas para construir mangueirões. No ano de 2018, uma área de bambus foi completamente derrubada para conter um boi em Florianópolis. Mais um episódio de crime ambiental lei 9.605/98.

– As crianças são dessensibilizadas e normalizadas à violência. É comprovado cientificamente que crianças expostas à violência contra os animais têm mais propensão a se tornarem adultos com desvio de caráter.

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