BALANÇO

IMPA e o papel da matemática para a sociedade brasileira

Em entrevista, o diretor do Instituto de Matemática, Marcelo Viana, destaca o esforço do ex-ministro Gilberto Kassab para proteger o sistema nacional de ciência e tecnologia

04/02/2019

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Marcelo Vina é especializado em “sistemas dinâmicos” e “teoria do caos”

 

Edição: Scriptum

 

À frente do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o ministro Gilberto Kassab abraçou inegavelmente a causa da ciência brasileira, colocando seu inegável cacife político ao serviço dessa causa. A opinião é do diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Marcelo Viana, que também é colunista do jornal Folha de S. Paulo, onde atua de forma a aproximar a matemática do dia a dia de quem não acompanha o tema de perto.

Em entrevista, Viana é incisivo quando comenta a visão “imediatista” do governo anterior, que pensou em tratar os investimentos públicos em ciência como uma despesa a ser reduzida ou até eliminada. Para ele, o uso de recursos em ciência não é gasto, é investimento. “Felizmente, esse princípio foi muito bem compreendido pelo ministro Kassab e sua equipe. Desta forma, o MCTIC foi, de fato, um agente de salvaguarda da própria integridade do sistema nacional de ciência e tecnologia, particularmente no que tange aos institutos de pesquisa, cujos orçamentos foram protegidos pelo ministério face aos cortes aplicados.”

Fundado em 1952, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) é uma unidade de ensino e pesquisa constituída como organização social e vinculada ao MCTIC. O IMPA organiza também a Olimpíada Brasileira de Matemática (Obmep), um dos grandes eventos com o suporte do Ministério, voltado à popularização da ciência e que busca despertar o interesse de estudantes pelo tema.

Marcelo Vina é especializado em “sistemas dinâmicos” e “teoria do caos” (complexo ramo da matemática que se aplica a diferentes problemas que vão desde questões econômicas até estudos demográficos e fenômenos meteorológicos). O cientista aponta na entrevista a seguir aspectos do trabalho desenvolvido na entidade localizada no Rio de Janeiro.

O IMPA se dedica ao ensino e também à pesquisa. Qual o papel do instituto hoje na sociedade? De que forma contribui com o país?

O IMPA foi criado inicialmente como um centro científico, com uma missão tríplice muito bem definida e que mantém toda a sua atualidade: fazer pesquisa de ponta em matemática, formar pesquisadores (doutores e mestres) e disseminar o conhecimento matemático na sociedade brasileira. Dessa forma se tornou uma das instituições de pesquisa mais respeitadas do mundo em sua área. Mas, ao longo de sua história, o instituto também foi interpretando essa missão de forma cada vez mais abrangente, fazendo com que fosse se envolvendo cada vez mais nas questões da educação como um todo e da popularização da matemática na sociedade brasileira, particularmente por meio das olimpíadas escolares. Desta forma, o IMPA amplia cada vez mais sua contribuição à sociedade brasileira, alcançando um escopo de atuação inigualado por qualquer outra instituição no mundo.

Existe uma luta diária a se travar junto à sociedade, sobre a importância do conhecimento, o valor da ciência, o valor da tecnologia, e o papel dessas atividades para o país avançar. Qual o papel da matemática para isto, e de uma forma mais específica: como o IMPA pode contribuir com isto?

A matemática é uma das áreas em que essa luta é mais dura, por tratar-se de campo do conhecimento com especificidades que tornam sua comunicação mais delicada. Ao mesmo tempo, ela se beneficia de ser uma área fundamental do conhecimento, transversal à formação de nossas crianças e jovens, pelo que a valorização do conhecimento matemático pela sociedade se reveste de uma importância crítica. A contribuição do IMPA é muito abrangente, em todos os segmentos da formação educacional, do ensino fundamental à pós-graduação, e também nas diversas vertentes: formação de professores, realização de olimpíadas escolares, iniciativas de popularização e disseminação, eventos científicos, formação de pós-graduandos, elaboração e produção de livros didáticos, portal de vídeos, etc.

Um papel que o Instituto exerce é o de popularização científica e despertar no interesse pela matemática, por exemplo pela participação nas olimpíadas de Matemática. Como se dá esse tipo de atividade e qual a importância de se estimular o interesse pela Matemática?

O envolvimento do IMPA com as olimpíadas de matemática remonta ao final dos anos 1970, quando a foi criada a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), por iniciativa da Sociedade Brasileira de Matemática, que contou com apoio decisivo do IMPA ao longo de sua história. Esse envolvimento adquiriu uma dimensão totalmente diferente a partir de 2005, com a criação da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Recentemente alargada, com a abertura às escolas particulares e, mais recentemente, com a extensão aos 4º e 5º anos do Ensino Fundamental, a OBMEP atualmente movimenta a cada ano cerca de 20 milhões de crianças e jovens, em praticamente todos os municípios brasileiros. Diversos estudos independentes, comprovam a notável capacidade da olimpíada para descobrir e atrair talentos para as carreiras mais tecnológicas, de que o país tanto carece, bem como o seu enorme poder de inclusão social.

O trabalho do Instituto de Matemática Pura e Aplicada tem interface com diferentes áreas de conhecimento, e a matemática aplicada tem interface por exemplo com áreas como inteligência artificial, medicina e outras. É possível apontar algumas linhas de pesquisa desenvolvidas hoje no âmbito do instituto?

O IMPA conta com três importantes laboratórios de matemática aplicada, criados a partir da década de 1980. O Laboratório de Dinâmica dos Fluidos (Fluid), o primeiro dos três, está dedicado a diversas aplicações dessa área da matemática a setores produtivos tais como a engenharia de petróleo, a modelagem climática e a previsão do tempo. O Laboratório de Visão e Computação Gráfica (Visgraf), faz pesquisa na interface entre a matemática e a computação gráfica, com aplicações a setores instigantes de ponta, tais como a realidade virtual ou aumentada. O mais recente é o Laboratório de Análise e Modelagem Matemática nas Ciências Aplicadas desenvolve aplicações da modelagem matemática em problemas do mundo real, oriundas das ciências experimentais, especialmente a biofísica e as finanças.

Como o sr. avalia a gestão encerrada em dezembro no MCTIC, especialmente no que se refere à atuação na questão dos cortes orçamentários e limitações determinadas pelo ajuste fiscal do Governo Federal?

A situação de crise orçamentária levou a área econômica do governo a reagir de forma imediatista e, na minha opinião, sem uma visão estratégica de Estado, vendo os investimentos públicos em ciência como uma despesa a ser reduzida ou até eliminada, em algumas dimensões. Isso vai na contramão das posturas de outros países, avançados ou emergentes, que apostaram no investimento em ciência como uma saída privilegiada para relançar a economia. Por isso, insistimos ao longo deste período no fato de que o uso de recursos em ciência não é gasto, é investimento. Felizmente, esse princípio foi muito bem compreendido pelo ministro Kassab e sua equipe. Desta forma, o MCTIC foi, de fato, um agente de salvaguarda da própria integridade do sistema nacional de ciência e tecnologia, particularmente no que tange aos institutos de pesquisa, cujos orçamentos foram protegidos pelo ministério face aos cortes aplicados.

Um avanço atingido em 2018 por meio de esforços do Ministério foi a regulamentação do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação. Qual a importância deste instrumento e de que maneira pode eventualmente impactar o trabalho que o IMPA desenvolve?

O Marco Legal tem um enorme potencial para transformar a realidade da pesquisa do nosso país, abrindo novos possibilidades de interação com o exterior e também facilitando a interação das unidades públicas de pesquisa com o setor produtivo, que é crítica tanto para a ciência brasileira como para a transição de nossa economia para um novo patamar de desenvolvimento. Importa que ele seja efetivamente aplicado, preservando o espírito inovador que norteou a sua concepção.

De uma forma mais ampla, como o sr. qualifica a gestão do ministro Gilberto Kassab à frente do MCTIC?

Acredito que a gestão do ministro Kassab foi uma surpresa muito positiva para a comunidade científica. Inicialmente, seu papel foi visto com certa desconfiança, devido à pouca experiência prévia no setor. Mas o ministro abraçou inegavelmente a causa da ciência brasileira, colocando seu inegável cacife político ao serviço dessa causa. Também ajudou para isso o profissionalismo e competência da equipe do MCTIC, liderada pelo secretário Elton Zacarias, que soube estabelecer uma relação produtiva e de confiança com os diversos setores do nosso sistema científico, particularmente com os diretores dos institutos de pesquisa. Assim, embora estes últimos tempos não tenham sido fáceis, acredito que poderiam ter sido muito piores se não fosse pela ação enérgica e efetiva do ministro Kassab e sua equipe.

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