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ENTREVISTA

Como a transformação digital está mudando o Brasil

Secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência e Tecnologia, André Müller Borges, faz um balanço da gestão e destaca importância do Internet para Todos

27 de dez de 2018

André Müller Borges, secretário de Telecomunicações do MCTIC e advogado especializado em telecomunicações e regulação

Edição: Scriptum

O setor de telecomunicações é um dos mais dinâmicos da economia brasileira. Emprega cerca de 500 mil pessoas, tem receitas da ordem de 3,6% do Produto Interno Bruto e, desde a quebra do monopólio dos serviços de telefonia, em 1997, já recebeu investimentos da ordem de R$ 467 bilhões na expansão dos serviços, segundo dados das operadoras.

O Brasil tem hoje mais de 230 milhões acessos celulares, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e uma crescente demanda pela expansão da banda larga, levando conectividade, inclusão digital e ampliação das possibilidades derivadas do acesso à rede para o desenvolvimento da economia.

Com a fusão das áreas de Comunicações e Ciência e Tecnologia, em maio de 2016, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) assumiu o papel de desenvolver políticas públicas para orientar um setor essencial ao Brasil. Nesta entrevista, o secretário de Telecomunicações do MCTIC, o advogado especializado em telecomunicações e regulação André Müller Borges, comenta aspectos relacionados ao programa “Internet para Todos” que já começa a levar o acesso à banda larga a todo o território nacional por meio do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações. Ele fala, também, sobre a atualização das leis que se referem ao segmento, entre outros aspectos.

Como o sr. enxerga a evolução do País em termos de inclusão digital e que políticas estão sendo adotadas neste sentido?

Nós tivemos um governo de recuperação fiscal, de recuperação econômica e orçamentária, o que significa que tivemos que trabalhar em um contexto adverso à utilização de financiamento para realizar políticas públicas. Diante deste cenário, nossa preocupação maior foi realizar todas as iniciativas que pudessem incentivar o investimento, e, portanto, a expansão do setor e da qualidade dos serviços, mesmo com a escassez de recursos públicos.

Um primeiro aspecto nesse sentido está na revisão legal do marco do setor de telecomunicações, ora sendo concluída pelo Senado, com as discussões do Projeto de Lei da Câmara 79/2016, para o qual a Secretaria e o Ministério deram todo o suporte técnico.

Da mesma forma, revisamos toda a regulamentação infralegal, no sentido de atualizar as normas conexas ao Marco Legal, e eliminar o que ficou obsoleto, ultrapassado. Também identificamos o universo de investimentos necessários à universalização das telecomunicações e à inclusão digital da população, as prioridades que os diferentes nichos de telecomunicações no Brasil devem ter, assim como as fontes de financiamento.

Nesse contexto, formalizamos os nossos programas de inclusão social. A universalização dos serviços de telecomunicações, universalização da banda larga, representam um grande projeto de inclusão social para levar a tecnologia digital a todas as populações do País que hoje não estão atendidas. E o grande projeto deste governo é o ‘Internet para Todos’, com o Satélite Geoestacionário, que agora está começando a entrar em velocidade de cruzeiro. Já está levando conectividade de qualidade, que permite a plena fruição de aplicações e serviços de internet, a todos os rincões do País.

De uma forma geral, então, é isto: o Governo teve restrições orçamentárias e tentou-se destravar investimentos?

Sim, a Secretaria de Telecomunicações (SETEL) e o Ministério buscaram criar as condições para que o setor privado invista, assim como incentivar fontes de financiamento alternativas, como os TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), que, dentre outras coisas, preveem a realização de investimentos em infraestrutura no lugar do pagamento de multas. As políticas públicas vão dando maior segurança para que o setor privado promova os investimentos. O SGDC, o satélite, no entanto, representou uma expressiva exceção a essa situação, pois aportamos recursos vultosos para viabilizar o seu lançamento, assim como para instalar toda infraestrutura terrestre para sua operação e serviços de comunicação. Quanto ao decreto de políticas, ressalto que a conectividade em banda larga, sua expansão, universalização e desenvolvimento passam a ocupar o centro da estratégia, no lugar do superado serviço fixo de voz.

Quais foram as políticas desenvolvidas?

O Brasil terá um novo Plano Nacional de Conectividade, que estará fundamentado no conjunto de políticas de telecomunicações que recém revisamos. Essas políticas foram objeto de um decreto presidencial que foi publicado neste mês de dezembro (18/12/18). Todos os decretos que regulamentam o setor foram considerados, revisados e atualizados, com a ratificação de algumas das diretrizes existentes e o estabelecimento de novas, que devem ser perseguidas. Identificamos a necessidade de investimentos para a cobertura nacional de conectividade, assim como a priorização que deve ser feita na sua realização. Também formalizamos programas de inclusão que permitem acesso alternativo à banda larga ou elevam a prioridade de um local.

De uma forma geral, o que expressam essas políticas?

Políticas estabelecendo necessidades e prioridades de investimento para o País, independentemente da disponibilidade de recursos orçamentários, cuja falta estaria amarrando um plano de ação, por exemplo. Dada a característica deste setor, a necessidade de expansão e a escassez de recursos públicos, foi melhor a construção desta forma, como políticas, não como plano. São programas de inclusão digital permanentes, definidos em diretrizes. Por exemplo: como precisa ser feita a conectividade? Toda sede municipal tem que ter uma rede de transporte que permita fazer banda larga. Outro: todas as sedes municipais têm que ter uma rede local de banda larga com tecnologia 4G, pelo menos. Todo distrito populoso também tem que ter atendimento, pelo menos de 3G. Setores censitários carentes de infraestrutura em grandes centros também devem ser atendidos por rede fixa de banda larga.

Estamos em 2018 e o País ter isso apenas agora chama até atenção…

Não é, claro, a primeira vez que isso acontece. Tivemos o PBLE, Programa de Banda Larga nas Escolas, que foi revisado. Depois o PNBL, Plano Nacional de Banda Larga, em 2010. Após, tivemos o programa ‘Brasil Inteligente’, que se preocupa com o efetivo uso da conectividade nas escolas. O que estamos fazendo é atualizar o que deve ser feito, de uma forma abrangente, duradoura e realista… As proposições anteriores eram algo como ‘você deve conectar todas as escolas com conexão de 1 megabyte. Depois 2. Deveria ter uma oferta de 1 mega a R$ 35,00 para todas as residências’. Isso é algo que em pouco tempo fica ultrapassado tecnologicamente e não necessariamente tem o resultado esperado. Porque, por exemplo, várias residências, mesmo tendo o acesso à conexão, não vão pedi-la porque não têm condição de sustenta-la ou não têm capacidade/condição de fazer uso da conexão.

Separamos os projetos de infraestrutura por sua tecnologia, assim como por sua finalidade. E dissociamos a política de expansão da infraestrutura das finalidades das políticas desenvolvidas por outros ministérios, embora aquela possa complementar e influenciar as últimas, como no caso das conexões providas para serviços de saúde, educação, segurança etc. Tudo isso é muito importante. Mas, do ponto de vista operacional e orçamentário, cada um deve executar a sua política, embora possa ou deva fazê-lo de forma coordenada com os demais ministérios.

Avançando um pouco na questão de financiamento da expansão do setor de telecomunicações, que legado essa gestão deixa?

Com esse objetivo, estamos deixando de legado um estudo e planejamento voltados à revisão do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Nas novas políticas, identificamos várias fontes de financiamento possíveis, como TACs (Termos de Ajustamento de Conduta, firmados entre as operadoras de telecomunicações e a Anatel para o cumprimento de obrigações nos contratos dos serviços), preço por outorgas dos serviços, saldos regulatórios, verba orçamentária e o FUST.

O FUST, diferentemente de outros fundos governamentais, por força de um escopo reduzido e defasado, não permite nenhuma utilização, mesmo que não houvesse contingenciamento de recursos pelo Governo Federal. Evidentemente, isso precisa ser corrigido, sendo que o objetivo do fundo deve ser o de universalizar a infraestrutura e uso da conectividade, no lugar da universalização de serviços de telecomunicações prestados em regime público (apenas o STFC, Serviço de Telefonia Fixa Comutado, concedido). O FUST seria a maior fonte de financiamento de universalização e inclusão digital. Além do FUST, os preços de adaptação das concessões de STFC para autorizações, conforme o previsto no PLC 79/16, se aprovado, representariam outra relevante fonte de financiamento. Assim, a atualização do Marco Legal trará as bases para bilhões em investimentos, a expansão da banda larga, e tornará melhores as condições para o futuro do desenvolvimento do setor, como ali adiante, com a tecnologia 5G.

As políticas também dão diretrizes para o setor, que influenciam a regulamentação pela Anatel. Apontamos que, como existe no setor uma competição bastante grande, inclusive por parte de empresas não reguladas, a Anatel deveria fazer uma revisão de toda sua regulamentação para diminuir a onerosidade regulatória com base em análises de impacto regulatório. Isso sem futurologia: observando o que ocorreu no passado, avaliando e corrigindo. Esse é um grande e relevante desafio para a Anatel.

“Em termos de impacto para a população, o usuário final, a curto prazo, o ‘Internet para Todos’ é o grande programa.”

Grande política pública com envolvimento da SETEL é o programa ‘Internet para Todos’?

O programa ‘Internet para Todos’ e o GESAC (Programa de ‘Governo Eletrônico’, que conecta postos de fronteira, alfandegários, escolas, postos de saúde e localidades remotas não servidas por redes terrestres) são ações executivas voltadas a levar conectividade a todos os rincões do País. A arrumação ‘da casa’, do ponto de vista de revisão legal e infralegal, é muito importante. Mas em termos de impacto para a população, o usuário final, a curto prazo, o ‘Internet para Todos’ é o grande programa. Ele representa a possibilidade de as populações e serviços em localidades remotas efetivamente receberem a banda larga de qualidade, permitindo todos os usos correntes da Internet. Uma conexão de 1MBPS compartilhada, que era o padrão anteriormente contratado para o GESAC, oferece ao usuário a percepção de uma internet discada. É uma conexão muito lenta, com dificuldade de navegação, tornando o recebimento de fotos difícil e o de vídeos impossível. A conexão do “Internet para Todos” é de qualidade para todos os usos, em qualquer local do País. Estimamos 40 mil localidades interessadas no serviço.

De que forma o Sr. vê a construção e efetivação da grande prioridade pela gestão – e como se efetivou o programa ‘Internet para Todos’ do ponto de vista prático?

Acho que o ministro Gilberto Kassab fez um excelente trabalho ao priorizar uma iniciativa de grande impacto. E a promoção que fez é muito importante porque desperta interesse e dá respaldo ao sucesso da iniciativa. O programa ‘Internet para Todos’ está começando sua implementação, será muito efetivo, com mais de 4 mil municípios já inscritos em todo o País, e só não teve início antes porque tivemos questionamentos que já foram sanados, questões levantadas e devidamente superadas, por exemplo, na Justiça e no Tribunal de Contas da União.

A entrega do satélite e o ‘Internet para Todos’ foi um dos grandes desafios, do ponto de vista de recursos orçamentários…

O que devemos pontuar como grande conquista deste governo é que, apesar da grande dificuldade enfrentada do ponto de vista orçamentário, concluiu-se o investimento. Fez acontecer o lançamento do SGDC e está viabilizando um serviço enorme para o Brasil. Isso é uma grande conquista. É muito fácil fazer as coisas quando há dinheiro. Quando há poucos recursos, fazer algo desse porte é um trabalho hercúleo.

Que outros programas ou ações da SETEL podem ser destacados?

Além de implementar o ‘Internet para Todos’, de encaminhar a revisão do marco legal e de revisar e consolidar toda a regulamentação do setor, aperfeiçoamos e demos continuidade a outros programas. Por exemplo, o Departamento de Inclusão Digital, que era uma secretaria no extinto Ministério das Comunicações, continuou desenvolvendo seus projetos, dispondo até de mais verbas orçamentárias. Um deles é o projeto de ‘Cidades Inteligentes’, que prevê uma rede de fibra conectando os principais prédios municipais, oferecendo aplicação de governo eletrônico. Aprimoramos a estrutura do projeto, incluindo sempre a parceria com um operador de telecomunicações. Não se pode deixar um município operando uma rede de telecom porque a Prefeitura não é, por sua natureza, apta a fazê-lo. E a chance de um hiato, interrupção, é muito grande. O modelo está pronto, e pode ser multiplicado por meio de emendas parlamentares. Há uma modelagem pronta para isso. Hoje, está sendo implementado em cerca de 340 cidades, com conexão e com serviços públicos digitais. Cerca da metade já em operação

Também modelamos a sugestão de um regime especial voltado ao estímulo à instalação e operação de datacenters no Brasil. O País possui demanda por esse estímulo e pode se valer dessa iniciativa no futuro, havendo uma fonte de custeio para tanto. O projeto está plenamente desenvolvido.

Trabalhamos na defesa da isenção do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações) para dispositivos relacionados à Internet das Coisas, que é algo que já começa a ditar os rumos do desenvolvimento tecnológico. Isso é fundamental, pois podemos estar inviabilizando tal desenvolvimento. Propomos também a criação de um fundo garantidor para provedores regionais de internet, responsáveis pelo grosso do crescimento da banda larga fixa nos últimos anos. Eles não conseguem aproveitar as linhas de crédito existentes, pois não tem patrimônio para garantir os empréstimos. Faltou orçamento para isso.

O sr. acompanha esse setor há bom tempo. Como qualifica a gestão do ponto de vista de alguém que conhece telecomunicações?

Atuo no setor de telecomunicações desde 1998, por muito tempo na iniciativa privada, como executivo jurídico, regulatório e institucional e também como consultor, agora no Governo, e contribuindo com a proposição de políticas públicas. Entendo que a gestão, mesmo com as amarras impostas pelas restrições orçamentárias, pautou-se pelo diálogo com o setor, com a sociedade, e como já mencionei deixa uma série de caminhos para o aperfeiçoamento do setor, além dessa entrega muito importante, o satélite, o “Internet para Todos”, e também toda a discussão de legislação e revisão da regulamentação que fizemos.

Como mencionado, preparamos um regime especial de estímulo a datacenters, a proposta de um fundo garantidor para provedores regionais, propusemos a prorrogação do REPNBL (Regime especial de tributação do Programa Nacional de Banda Larga para implementação de redes de telecomunicações). Sob diversas formas fizemos o regulamento de isenção de Fistel para V-Sat (modalidade de telecomunicações com pequenas antenas), apoiamos proposta de isenção de Fistel para equipamentos de IoT (Internet das Coisas), apoiamos a equiparação de Fistel entre SMP (Serviço Móvel Pessoal) e V-Sat. Apoiamos todas as iniciativas para promoção da adequação dos municípios à Lei das Antenas. Enfim, atacamos todas as frentes importantes para o desenvolvimento do setor. Mesmo aquilo que não foi materializado fica como legado, como material para proposições futuras, para um momento em que o País e o Governo tiverem condição para fazer reflexão do ponto de vista orçamentário.

A transformação digital mudará completamente o Brasil: o governo, a economia e a sociedade. Não só aperfeiçoará a produção econômica, o desenvolvimento econômico e tecnológico, como também permitirá processos e serviços novos. O País deve manter isso no seu radar, com os instrumentos adequados.

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