Ana Luiza Albernaz, pesquisadora titular da instituição, diretora-geral do Museu Paraense Emilio Goeldi
Edição: Scriptum
O Museu Paraense Emilio Goeldi, localizado no Pará, tem mais de 150 anos de existência, e é uma entidade vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) que promove estudo de sistemas naturais e socioculturais da região amazônica, além da divulgação de conhecimento e acervos relacionados à região.
O Goeldi realiza pesquisas e forma recursos humanos nas áreas de ciências naturais e humanas relacionadas à Amazônia e tem um parque zoobotânico com 5,4 hectares no centro urbano de Belém que recebe anualmente cerca de 400 mil visitantes que tomam contato com flora e fauna amazônica. Tem também um campus com 17 coleções de pesquisa científica nas áreas de botânica, zoologia, arqueologia, etnografia, linguística, paleontologia e outras áreas do conhecimento, e uma estação científica no arquipélago do Marajó que promove cursos para alunos de graduação e pós-graduação, e treinamentos de extensão rural para comunidades locais.
Em entrevista, a bióloga Ana Luiza Albernaz, pesquisadora titular da instituição, diretora-geral do Museu Paraense Emilio Goeldi, fala brevemente sobre o papel da instituição e a importância da pesquisa científica na região amazônica, dificuldades enfrentadas por conta de cortes orçamentários definidos pela equipe econômica do Governo Federal e o apoio do MCTIC na luta por recursos.
O Museu Emilio Goeldi é uma instituição histórica brasileira e exerce importante papel tanto na pesquisa quanto na popularização da ciência. Que avaliação a sra. faz desses dois papéis e como a entidade tem desenvolvido suas atividades nos últimos anos?
A instituição tem sentido o reflexo das reduções no seu quadro de pessoal e no orçamento, mas conta com a enorme resiliência e compromisso de seus servidores. Algumas atividades, como as atividades educativas, por exemplo, foram reduzidas, mas, ainda recebemos milhares de visitantes e centenas de escolas. Nos dedicamos a desenvolver as atividades educativas em nossa sede de forma diversificada e consistente, e, quando viável, também em escolas e municípios. No que tange às pesquisas, a escassez de recursos tem levado a redução nos trabalhos de campo, que são atividades essenciais para todas as áreas de interesse do Museu. Ao contrário das universidades, as pesquisas de instituições científicas com as características do Museu Emilio Goeldi dependem de intenso trabalho em campo.
O Museu tem um papel também importante no debate sobre preservação ambiental, conservação de acervos, conhecimento em ciências naturais e humanas e conhecimentos tradicionais relacionados à Amazônia. Que significado tem isso nos dias de hoje e como o Museu Emilio Goeldi tem se posicionado com vistas ao futuro?
A Amazônia é o maior bioma do Brasil, tem a maior bacia hidrográfica e o maior volume de água doce do planeta e tem um papel importantíssimo na regulação do clima e do regime de chuvas não só da própria região, mas, também do sudeste do país. A região amazônica tem passado por intensas transformações e perdas de biodiversidade, de diversidade sociocultural e de serviços ambientais. Estudar as mudanças nos ambientes e nas populações humanas que habitam a Amazônia nos obriga a pensar sobre o mundo que estamos deixando para as futuras gerações. Além disso, nestes tempos de intolerância, o papel do MPEG de levar ao público a existência de outras formas de viver e de lidar com o ambiente (milenares, seculares e contemporâneas) contribui para ampliar essa reflexão. Nossos acervos são testemunhos de um passado rico em vários sentidos e alertam sobre a rapidez dos efeitos das mudanças.
O incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em setembro de 2018, provocou grande comoção ao país e alarmou a sociedade. Que lição a sra. avalia que ficou do episódio? Que reflexo trouxe para o Museu Emilio Goeldi e avalia que pode, de alguma forma, ter despertado maior atenção a entidades científicas e culturais no país?
Para nós do Museu Goeldi o incêndio trouxe uma tristeza imensa. Temos uma ligação histórica e científica com o Museu Nacional. A perda rápida de um volume tão grande de coleções, que levou tanto tempo e necessitou tanta dedicação de várias gerações de pesquisadores para ser reunido, e que fez ampliar o mundo e os interesses de tanta gente que visitou o museu na Quinta da Boa Vista, é uma ferida. Infelizmente, a situação do Museu Goeldi não é muito diferente da que se encontrava o Museu Nacional por ocasião do incêndio e, embora a imprensa tenha dado tanto destaque ao aumento da responsabilidade do Goeldi por seus acervos centenários, não houve gesto concreto de apoio financeiro para melhorar a nossa situação.
O país enfrentou uma grave crise econômica nos últimos anos. E neste quadro, o Governo Federal promoveu um ajuste fiscal que acabou por afetar a disponibilização de verbas para as áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Que avaliação a sra. faz, neste cenário, para o papel desempenhado pela gestão do Ministério em 2018, para superar desafios resultantes de cortes impostos pela equipe econômica do Governo?
Em 2018 o MCTIC recompôs o orçamento dos Institutos, o que contribuiu para que tivéssemos um ano em que pudemos retomar algumas das atividades que estavam suspensas. Por exemplo, conseguir ampliar a visitação pública do Parque Zoobotânico em mais um dia da semana, solicitação constante dos visitantes locais e de fora. Mas, os anos de orçamentos muito baixos deixaram um passivo enorme na manutenção predial e segurança dos acervos, por exemplo, que não será facilmente recuperado.
“Nossos acervos são testemunhos de um passado rico em vários sentidos e alertam sobre a rapidez dos efeitos das mudanças.”
Que avaliação a sra. faz da atualização do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, regulamentado em 2018, e que, entre outros aspectos, torna mais simples a parceria entre entes públicos e agentes privados, captação de recursos do exterior e outras iniciativas? E como avalia que esse instrumento legal pode, eventualmente, aperfeiçoar ações desenvolvidas no âmbito do Museu Emilio Goeldi?
O Marco Legal é sem dúvida um grande avanço, mas, ainda há dificuldades para o entendimento em toda a sua abrangência e capacidade de aplicação na prática. No caso do Museu Emilio Goeldi, ele veio praticamente simultaneamente à aplicação da Lei da Biodiversidade, que dificultou e burocratizou enormemente grande parte das nossas atividades, incluindo as relacionadas à inovação.
Que avaliação a sra. faz, do ponto de vista global, da gestão encerrada em dezembro último, considerando-se a relação do MCTIC com entidades vinculadas? O Ministério adotou, nesta gestão, uma estratégia que foi o fortalecimento da Diretoria de Organizações Sociais e Institutos de Pesquisa. Que avaliação faz desse meio de contato com o sistema brasileiro de ciência e tecnologia?
Eu só assumi a Direção do Museu no fim de junho de 2018, então é difícil para mim avaliar de um ponto de vista mais global. Fui muito bem acolhida pela equipe da DPO e encontrei a porta sempre aberta para expor as necessidades do Museu Goeldi, houve diálogo e sensibilidade. Ressalto nesse período específico, a manutenção do Programa de Capacitação Institucional como uma enorme conquista, que possibilitou um novo fôlego às instituições vinculadas ao MCTIC em 2019. Uma estrutura que mantém uma relação de apoio e valorização às instituições que compõem o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação garante a vitalidade a um projeto de nação.