O senador Otto Alencar, relator do projeto: número restrito de grandes empresas se beneficiava dos resultados dos julgamentos e evitava a cobrança de dívidas.
Edição Scriptum com Agência Senado
Com a aprovação pelo Senado do projeto de lei que restabelece o voto de desempate a favor do governo nas votações do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a União ganha um fôlego extra nas suas contas a partir do ano que vem. O texto (PL 2.384/2023) aprovado pelos senadores não foi modificado em relação ao que já havia sido aprovado pela Câmara e segue para sanção presidencial.
A medida era uma prioridade do governo federal para ancorar o Orçamento do próximo ano, pois o voto de qualidade deve garantir um aumento da resolução de impasses tributários a favor do Tesouro e incrementar a arrecadação.
Segundo o relator do projeto, senador Otto Alencar (PSD-BA), o Ministério da Fazenda estima perda anual de R$ 59 bilhões sem o voto de qualidade. O governo já havia tentado mudar a regra em janeiro, através da MP 1.160/2023, mas ela perdeu a validade em quatro meses sem ser votada. Nesse período, de acordo com Otto, o governo poderia ter arrecadado cerca de R$ 17 bilhões.
O Carf é o órgão do Ministério da Fazenda que decide as disputas tributárias entre os contribuintes e a Receita Federal. Os julgamentos acontecem em câmaras compostas por igual número de representantes da Fazenda e dos contribuintes. Até 2020, quando havia empate nas decisões, valia o voto do presidente da câmara, que é sempre um representante da Fazenda. Isso mudou com a Lei 13.988, de 2020, que extinguiu o voto de qualidade nos processos administrativos de determinação e exigência de crédito tributário. A partir daquela lei, os contribuintes passaram a ter vantagem nas votações que terminassem empatadas. O projeto muda essa lógica e restaura a regra anterior.
Otto Alencar lembrou que o voto de qualidade foi instituído em 2016, após a conclusão de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Senado que investigou irregularidades na atuação do Carf. O senador do PSD baiano, que foi membro da CPI, explicou que um número restrito de grandes empresas se beneficiava dos resultados dos julgamentos e evitava a cobrança de dívidas.
“Nós identificamos que apenas 3% dos contribuintes levavam o montante de quase 80% dos valores que foram auditados. Débitos de R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões, R$ 5 bilhões eram reduzidos para R$ 100 milhões, para pagar a perder de vista. Quem está no Simples Nacional está no Carf? Não está. Quem está no imposto de lucro presumido está no Carf? Também não está. Não tem pequeno contribuinte e médio contribuinte nessa situação”, afirmou.
Coerção
A oposição criticou severamente o projeto, argumentando que ele cria insegurança jurídica ao transformar o Carf, que deveria solucionar conflitos, em um local de “arrecadação coercitiva”. Para o líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), o projeto ainda pode vir a agravar o problema arrecadatório.
Marinho também observou que os passivos em disputa no Carf constituem um estoque, e não um fluxo contínuo de caixa. Dessa forma, o governo não poderá contar com essa via para abastecer o Orçamento consistentemente.
Ajustes
O senador Otto Alencar fez apenas ajustes de redação, que não afetam o conteúdo do projeto e não exigem que ele seja devolvido à Câmara. Ele apresentou emendas para esclarecer que a adoção do voto de qualidade deverá obedecer ao disposto na lei originada pelo projeto, e para especificar que só não serão impostas as multas relacionadas ao valor do débito principal. Eventuais multas que sejam, elas próprias, objeto da autuação e do processo, como as penalidades por infração da legislação aduaneira, serão cobradas mesmo em caso de voto de desempate a favor do governo, “pois configuram o montante principal da dívida”, explica Otto no seu parecer.