Henrique Meirelles: ‘Eurodisciplina’

Em artigo, ex-presidente do BC explica por que alguns países europeus se esforçaram para entrar na zona do Euro, como entraram em crise e como devem proceder para sair dela.

23/02/2015

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Henrique Meirelles, coordenador do Conselho de Política Econômica do Espaço Democrático e ex-presidente do Banco Central

Olhando o drama grego e o debate entre Atenas e Berlim, muitos se perguntam por que os europeus entraram na aventura do euro e o que leva os países a fazerem tantos sacrifícios pela moeda única.

Há vantagens relevantes. Os países do sul da Europa, que tinham moeda fraca, inflação e juros altos e pouca disponibilidade de capital, com o euro passaram a ter moeda forte, inflação e juros baixos e acesso a capital.

Já um país como a Alemanha, que tinha uma das moedas mais fortes do mundo, juros entre os mais baixos e abundância de capitais, ao compartilhar moeda com economias mais fracas, conseguiu câmbio mais favorável para seu setor exportador, pilar de sua economia.

A moeda única facilita também viagens e atuação intracontinental das empresas da zona do euro, abrindo mercados e reduzindo riscos e custos cambiais.

Mas o euro traz também problemas relevantes. A abundância de capitais levou países a se endividarem excessivamente e, na crise, não tiveram condições de seguir se financiando, como Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia.

Agora estão fazendo o ajuste duro, já que, por estarem no euro, seus desequilíbrios não geraram desvalorizações agudas de suas moedas, via menos dolorosa para reequilibrar suas economias e competitividade. Sobrou a alternativa de restaurar a capacidade competitiva via austeridade muito forte de governo e empresas, gerando queda de emprego e salário. É um ajuste doloroso, mas que já mostra resultados em Portugal, Espanha e Irlanda. Resultados que são melhores quando acompanhados de reformas para elevar a competitividade.

Mas quando as populações começam a reagir politicamente às dores do ajuste, esta via de recuperação pode ser questionada, como na Grécia. O país elegeu governo de esquerda que prometeu romper com o compromisso de austeridade e reformas pró-competitividade.

É direito de qualquer país-membro abandonar a austeridade. Mas quando sua dívida vencer, ele dependerá da Alemanha para liderar a ajuda se quiser permanecer no euro. E embora a maioria dos gregos tenha votado por mudança na direção econômica, muitos têm transferido dinheiro dos bancos gregos a bancos alemães em busca de segurança.

Esse e outros problemas fizeram Atenas fechar acordo condicional com o bloco sexta-feira, mas as questões básicas levantadas pelo novo governo grego e por movimentos com visão semelhante, como o Podemos na Espanha, permanecem – como sair da crise dentro de uma moeda única que limita as opções de recuperação ou, alternativamente, qual o custo de sair do euro.

O desenrolar desse drama trará lições muito interessantes na economia e na política. E me faz lembrar velho ditado do interior do Brasil: o dinheiro não aceita desaforo.

 

Foto do destaque: Valter Campanato/Agência Brasil

 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 22 de fevereiro de 2015.

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