DEBATE

Há problemas, mas a democracia está avançando

Em palestra no Espaço Democrático, cientista político José Álvaro Moisés comenta as dificuldades que o sistema democrático enfrenta em todo o mundo. E garante: existem razões para otimismo

18/08/2017

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O cientista político José Álvaro Moisés: “O regime democrático é sempre passível de aperfeiçoamento”

 

 

A falta de identidade entre eleitores e seus representantes no Legislativo e no Executivo, o desencanto provocado pela revelação de muitos casos de corrupção e também a perda de benefícios sociais, causada pela crise econômica, estão entre as causas do crescente desapreço pela democracia, tanto no Brasil como em diversos outros países. A análise é do cientista político José Álvaro Moisés, palestrante do Encontro Democrático realizado nesta quinta-feira (17), na sede do Espaço Democrático – a fundação do PSD para estudos e formação política –, em São Paulo.

Transmitido ao vivo pelo Facebook, o debate integra a série que vem sendo realizada pelo Espaço Democrático há mais de dois anos, com a proposta de produzir conteúdo para orientar a atuação dos integrantes do partido em suas diversas áreas de atuação. A íntegra do debate será publicada no site da fundação.

 

 

Falando sobre o tema “O Futuro de Democracia”, Moisés comentou em sua palestra o artigo do cientista político Rubens Figueiredo, publicado no site do Espaço Democrático (veja aqui), onde são citadas pesquisas internacionais que apontam forte redução do apoio da população ao regime democrático, assim como na confiança no Congresso e nos partidos políticos.

Para José Álvaro Moisés, professor titular de Ciência Política da USP e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da mesma universidade, além de membro do Comitê Executivo da International Political Science Association, não é possível falar em fim da democracia. Para ele, na história da democracia sempre ocorreram avanços e retrocessos. “Não existe um princípio ou um fim, há um processo de expansão e reversão, pois o regime democrático é sempre passível de aperfeiçoamento”, disse.

Ele lembrou que o mundo viveu, nas últimas décadas do século 20, um forte movimento de expansão da democracia. Um dos marcos iniciais desse momento histórico, disse, foi a Revolução dos Cravos (1974), em Portugal, e seu ápice foi atingido em 1989, com a queda do Muro de Berlim. “Nesse período, diversos países, em todos os continentes, optaram pelo caminho democrático, deixando o autoritarismo para trás”, afirmou.

Em sua visão, contribuíram para isso fatores como a Guerra Fria e o avanço do capitalismo. De um lado, explicou, os países liderados pelos Estados Unidos foram incentivados a cumprir as promessas da democracia, para se contrapor aos países que seguiam a orientação autoritária de esquerda da União Soviética. “Além disso, houve também um período de expansão do capitalismo, gerando riquezas que ofereceram aos regimes democráticos a oportunidade de ampliar os benefícios sociais, ao mesmo tempo em que se ampliava os direitos civis e políticos”, lembrou.

No entanto, o cenário mudou no início do século 21, após o fim do antagonismo entre capitalismo e comunismo e o início de crises econômicas que abalaram a maioria dos países. “Além das perdas e ameaças aos benefícios sociais, surgiram desafios como o terrorismo e a chegada de levas de imigrantes pobres aos países mais desenvolvidos, com a abertura de espaço para populistas”, explicou Moisés.

“Temos que recuperar a dignidade da política, enfrentar as tendências populistas, criar condições que evitem a captura do Estado por forças econômicas e superar a crise de lideranças que enfrentamos hoje”, afirmou José Álvaro Moisés.

 

Mesmo com todas as dificuldades que hoje se observa no Brasil e no mundo, o cientista político acredita que a democracia continua forte. Citou levantamento da revista inglesa The Economist indicando que 50% dos países são hoje democracias, mesmo com maior ou menor grau de imperfeição. “É um número importante, se considerarmos que na metade do século passado esse índice era de 30%”, disse.

Outro aspecto positivo, para ele, é o extraordinário avanço registrado pelos regimes democráticos ao longo dos séculos, em termos de tamanho, escala e escopo, conforme classificação do cientista político norte-americano Robert Dahl (1915-2014). “Em relação aos primórdios do sistema, a participação popular nas decisões democráticas mudou completamente, com a inclusão de novos segmentos da sociedade e o aumento do escopo das decisões tomadas com base no voto popular”, explicou.

No Brasil, lembrou o palestrante, esses avanços também foram importantes, a exemplo da subordinação das forças armadas à sociedade civil, das eleições que propiciaram a alternância no poder e da ampliação dos direitos civis e sociais observada nas últimas décadas. “Também cresceu o engajamento da população no processo eleitoral e o sistema de integridade (Justiça, Ministério Público, Tribunal de Contas etc) está funcionando, como mostra a Operação Lava Jato”, completou.

Porém, em sua visão, a democracia ainda não está plenamente consolidada no país, apesar dos avanços. Segundo disse, há problemas como a falta de uma conexão sólida entre representados e representantes e a participação ainda incompleta de alguns segmentos da sociedade nas decisões políticas. Por isso, acredita, há grandes desafios a serem enfrentados pelo país. “Temos que recuperar a dignidade da política, enfrentar as tendências populistas, criar condições que evitem a captura do Estado por forças econômicas e superar a crise de lideranças que enfrentamos hoje”, afirmou, lembrando que talvez assim seja possível reduzir o grande distanciamento que se observa hoje entre a sociedade e o debate de questões de extrema importância em análise no Congresso.

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