Botafogo Gonçalves: ‘Soberania, segurança nacional e espionagem’

No caso da Internet é possível imaginar a negociação de um marco regulatório internacional que defina as ações legais e ilegais que os Estados venham a praticar no seu uso, diz, em artigo, o ex-ministro e coordenador do Conselho de Política Externa e Comércio Exterior do Espaço Democrático.

03/10/2013

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José Botafogo Gonçalves, diplomata, coordenador do Conselho de Política Externa e Comércio Exterior do Espaço Democrático e ex-ministro da Indústria, Comércio e Turismo.

No mundo globalizado de hoje, nota-se uma ressurgência do movimento a favor de organizações políticas subnacionais de caráter cultural, regional ou mesmo tribal, seja na Europa, na África ou na América Latina.

Por enquanto, na ausência de substitutos viáveis, predomina a fórmula de Estados soberanos, representados na Organização das Nações Unidas, sem prejuízo de acordos regionais de caráter militar (ex.: OTAN) ou político (ex.: União Europeia), ou comercial (ex.: NAFTA) onde os membros consensualmente aceitam reduzir na prática o alcance de suas respectivas soberanias em favor de uma autoridade institucional.

Por outro lado, a cooperação internacional, fortemente estimulada pela ONU, tem trazido à consideração dos Estados partes os chamados temas transversais que, por sua natureza, não podem ser eficazmente tratados nos níveis puramente nacionais. Estamos falando de direitos humanos, mudanças climáticas, crime organizado, pandemias, genocídios e inteligência eletrônica.

Nesses casos, a tendência universal é a de negociar acordos internacionais, sob a égide das diversas agências das Nações Unidas ou de outras instituições regionais, como é o caso da Organização dos Estados Americanos.

Tais acordos, após sua incorporação no universo jurídico do país signatário, implicam em redução voluntária da soberania em favor dos objetivos finais por eles pretendidos, como, por exemplo, controle dos fatores de poluição ambiental, respeito dos direitos humanos, reconhecimento de tribunais penais contra crimes de guerra ou genocídio.

Em outras palavras, à medida que a cooperação internacional avança no tratamento dos temas transversais, o conceito tradicional de soberania absoluta dos Estados independentes vai perdendo terreno.

No campo específico da segurança nacional, é compreensível que as dificuldades para se chegar a um acordo internacional garantidor daquela segurança são de natureza quase intransponível pois o que um país A defina  como garantidor de sua segurança pode ser o oposto do que o país B defina como garantidor da sua.

A colheita de informações ou “inteligência”, sendo parte essencial de qualquer política de segurança nacional, não parece ser de natureza favorável à construção de acordos internacionais de regulação do seu uso, já que a hipótese de trabalho que fundamenta a relação entre segurança e inteligência do Estado A é o reconhecimento de que o estado B pode vir a ser uma ameaça à sua segurança.

Não obstante, no caso da Internet é possível imaginar a negociação de um marco regulatório internacional que defina as ações legais e ilegais que os Estados venham a praticar no seu uso. Não façamos ilusões. A espionagem não vai desaparecer só porque negociou um acordo marco. Mas estarão criadas as condições para a definição de um foro internacional, de caráter legal, para onde podem ser conduzidas as divergências que venham a ocorrer entre Estados soberanos, inclusive com legitimação de sanções políticas e econômicas.

Este é o caminho que o Brasil deve seguir.

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