Henrique Meirelles: ‘Moeda para todos’

Em artigo, ex-presidente do Banco Central defende a livre flutuação do dólar. "O governo precisa manter uma política econômica sustentável que não gere volatilidade excessiva."

05/10/2015

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Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e colaborador do Espaço Democrático

A expressiva alta do dólar reanimou a discussão sobre intervenções nos mercados de câmbio. O câmbio é um dos principais preços da economia, definido, como todos os preços, por oferta e procura. Quando o governo entra na aventura de controlar preços, enfrenta objetivos conflitantes de grupos econômicos como exportadores versus importadores e devedores em dólar.

A história deixa claro o fracasso das tentativas oficiais de arbitrar preços, como na contenção da gasolina (com perdas graves à Petrobras) e nos congelamentos de décadas passadas.

No câmbio, as distorções são enormes. Se o objetivo for manter artificialmente baixo o valor do dólar, a demanda pela moeda barata aumenta gradualmente. Isso leva ao esgotamento das reservas, e a história mostra que os governos terminam atuando no controle quantitativo do dólar, numa espiral cada vez mais complexa e nociva. Tentativas de aumentar o valor do dólar, por sua vez, causam pressões na inflação e outras distorções.

Já em situações graves de dominância fiscal, as âncoras cambiais alcançaram seu objetivo por períodos relativamente curtos, mas tentativas de mantê-las por períodos longos terminaram sistematicamente em crise. Para fugir desse labirinto, a única atitude possível é a livre flutuação da moeda.

No caso do real, diversos fatores influenciam seu valor frente ao dólar, a começar pela cotação internacional da moeda americana, balizada pela situação econômica dos EUA e sua taxa de juros. Mas dois fatores influenciam mais diretamente a cotação do dólar em real: 1) o preço médio das commodities; quanto maior o preço, menor a cotação do dólar; 2) o risco-Brasil, que são os diversos tipos de risco na economia (político, cambial, fiscal, inflacionário etc.); quanto maior o risco, maior o dólar.

Uma combinação de queda das commodities e alta do risco faz o dólar subir. Nesse contexto, a intervenção do Banco Central deve se dar só para assegurar a liquidez e o bom funcionamento dos mercados, atuando em crises que podem torná-los disfuncionais. Essa intervenção, em última análise, visa garantir não o valor da moeda, mas o bom funcionamento da própria economia, assegurando eficiência nas diversas etapas da produção e do consumo e o interesse geral.

Em função disso, os agentes econômicos devem se tornar mais eficientes, com devedores em dólar se protegendo com mecanismos financeiros disponíveis e os exportadores buscando mais produtividade. O BC, por sua vez, deve estar preparado para controlar as expectativas e os efeitos inflacionários das flutuações da moeda. E o governo precisa manter uma política econômica sustentável que não gere volatilidade excessiva não só no dólar, mas nos mercados como um todo.

 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 4 de outubro de 2015.

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