ARTIGO

Medidas duras para superar o maior desafio desta geração

Um dos fundadores do PSD, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles afirma, em texto publicado em O Estado de S. Paulo, que a pior situação seria sair da crise sanitária e entrar numa crise fiscal

23/02/2021

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Henrique Meirelles 

Todos se vão lembrar de 2020 como provavelmente o ano mais difícil de sua vida. Pela primeira vez em um século, a população mundial foi exposta a uma ameaça à sobrevivência. A crise gerada pelos efeitos da covid-19 na economia é inédita.

Nós temos experiência no enfrentamento de crises econômicas. Enfrentei algumas delas como presidente do Banco Central (BC) e ministro da Fazenda. Mas esta é uma crise cuja causa não é econômica, mas sanitária. Superá-la é o desafio desta geração.

A primeira etapa é a vacinação em massa. Todos esperávamos começar o ano com a pandemia, se não superada, ao menos atenuada. Mas começamos em meio a uma nova onda de contaminações, que exige medidas restritivas no mundo. A despeito de discursos negacionistas, temos os fatos: sem vacina não há volta do crescimento econômico.

Graças aos esforços do governo do Estado e à competência dos servidores do Instituto Butantan, São Paulo está em condições de vacinar sua população com a Coronavac. Porém, diante das dificuldades do governo central em adquirir doses suficientes de vacina para todos os brasileiros, as projeções sobre crescimento neste ano são incertas.

A segunda etapa é fazer a economia crescer, sem descuidar dos cidadãos. Essa meta em particular exigirá muito dos gestores públicos em 2021. O governo federal enfrenta o desafio de incentivar a economia, mas cumprindo rigorosamente o teto de gastos. O melhor programa de assistência social que existe é a criação de empregos. Para isso é necessário que a economia cresça, o que demanda controle da dívida pública. Se ela continuar crescendo de forma insustentável, teremos aumento da incerteza, do risco País e da taxa de juros.

A solução virá apenas com um forte programa de reformas estruturais, a administrativa e a tributária, além da PEC emergencial e das privatizações. A pior situação possível seria sair da crise sanitária e entrar numa crise fiscal.

A outra frente é relacionada às finanças estaduais. A arrecadação de impostos é diretamente impactada pela atividade econômica, ainda incerta. Por sua vez, as despesas tendem a ser maiores, pelos gastos com saúde. Essa conjunção negativa pressiona os Estados. Ao contrário do governo federal, Estados não podem emitir títulos para captar recursos. Restam, então, duas alternativas: cortar gastos e buscar mais receitas via corte de benefícios fiscais.

O governo de São Paulo, com apoio da Assembleia Legislativa, aprovou uma reforma da previdência que vai poupar R$ 58 bilhões em 15 anos. Aprovou uma reforma administrativa que prevê a extinção de empresas estatais, realocação de recursos e demissão de servidores não estáveis. É uma reforma dura, para cortar despesas. Aprovou ainda um programa de redução linear de 20% nos benefícios fiscais, para aumentar a receita do ICMS por 24 meses. Alguns dos benefícios estão em vigor há mais de 20 anos. No conjunto, faziam o Estado abrir mão de R$ 43 bilhões anuais, que poderiam ser direcionados à população. Houve o cuidado de preservar os itens da cesta básica, que afetam a população carente. Alterações em impostos provocam desgaste. Aberto ao diálogo, o governo ouviu diversos setores e fez ajustes. Reduzir benefícios e cortar gastos neste momento é questão de responsabilidade.

A defesa de medidas de responsabilidade fiscal é inglória. Uma gestão com as contas em dia proporciona uma normalidade com que os cidadãos se habituam, de modo que nem notam os efeitos positivos. Infelizmente, temos muitos exemplos de falta de responsabilidade fiscal. Entre 2011 e 2015, o governo federal ampliou a concessão de subsídios e renúncias fiscais com a intenção de incentivar o crescimento. A combinação disso com o aumento do gasto público levou a uma recessão brutal. Entre maio de 2015 e maio de 2016, o PIB recuou 5,2%, a maior recessão da história recente até aquele momento para um país que não estava em guerra. Ainda hoje o governo federal deixa de arrecadar cerca de R$ 300 bilhões anuais em subsídios, o equivalente a 4% do PIB.

São Paulo não passa por problemas financeiros porque tem coragem de tomar medidas duras, como as que toma agora, para manter em ordem as contas públicas. Está entre os Estados mais bem avaliados na área e se mantém rigorosamente dentro dos parâmetros de prudência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Graças a esse cuidado, tivemos recursos para investir na ciência e colher os frutos com a Coronavac.

Todas as esferas de governo precisam manter-se dentro dos limites fiscais. Tenho defendido a ideia de que, após a justificada expansão do gasto público em 2020, é imprescindível a manutenção rigorosa do teto de gastos em 2021 para preservar o futuro da economia. Se há necessidade de mais gastos sociais, é preciso encontrar espaço dentro do teto. Para isso é preciso fazer reformas, como São Paulo está fazendo. Não podemos fugir da realidade: momentos dramáticos exigem medidas duras e sacrifícios de todos para podermos sobreviver à pandemia e criar empregos e renda com a retomada econômica.

Henrique Meirelles foi um dos fundadores do PSD. É economista e atual secretário da Fazenda e do Planejamento do Estado de São Paulo. Foi ministro da Fazenda (2016-2018), presidente do Banco Central (2003-11) e presidente mundial do Bankboston.

Artigo publicado em O Estado de S. Paulo no dia 22 de fevereiro de 2021

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