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O Simples não é renúncia

Presidente do Conselho Consultivo do Espaço Democrático escreve que, a exemplo das isenções contidas na Constituição para vários setores, o Simples não pode ser considerado renúncia fiscal

05/01/2022

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Guilherme Afif Domingos, presidente do Conselho Consultivo do Espaço Democrático e assessor especial do Ministério da Economia

 

O Congresso Nacional aprovou recentemente medida importante para restabelecer a verdade sobre o Simples: a de que esse regime diferenciado de tributação não deve ser considerado renúncia fiscal. Seria dispensável a aprovação dessa lei se não houvesse um posicionamento equivocado da Receita Federal — que é seguido por muitos analistas que se baseiam nessa visão sem atentar para a realidade.

José Roberto Afonso, um dos maiores especialistas em contas públicas e tributação, tem demonstrado, com base em dados da própria Receita, que o Simples é extremamente positivo em termos de simplificação da burocracia, mas não envolve renúncia fiscal. No último número da revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getulio Vargas, em artigo com Geraldo Biasoto Jr. e Murilo Ferreira Viana, Afonso mostra mais uma vez, com números bastante detalhados, a realidade da tributação sobre as micro e pequenas empresas (MPEs) optantes pelo Simples, que, quando devidamente ajustada, corresponde na média a 8,2% sobre a receita bruta —enquanto as que declaram pelo lucro real é de 7%, e as do lucro presumido, 8,8%. Interessante observar que esses dados não têm sido contestados pelos críticos do Simples. São simplesmente ignorados.

As críticas aos MEIs (microempreendedores individuais) pecam por ignorar que, sem essa sistemática, a grande maioria dessas empresas não existiria. Não fosse o MEI, milhares de pessoas que perderam seus empregos ou fontes de renda durante a pandemia somente poderiam ter desenvolvido alguma atividade na informalidade. Também profissionais de várias especialidades tiveram na “conta própria” uma alternativa de receita.

Ainda no tocante ao MEI, as críticas são generalizadas sem considerar dois pontos. O primeiro é que são as empresas que não querem contratar profissionais como celetistas. O segundo é que se toma a minoria como regra, em vez de olhar os números. Afonso mostra que a maior concentração de receita dos “conta própria” está na faixa de R$ 1.500 a R$ 2.000, seguida da de R$ 3.000 a R$ 5.000.

É evidente que a legislação do Simples pode ser aprimorada, inclusive elaborando degraus de saída para evitar a criação de novas empresas ao se atingir o limite com o intuito de escapar da burocracia. Na verdade, o problema não está no Simples, mas no complexo. As propostas de reforma tributária que estão em discussão no Congresso, as PECs 45 e 110, infelizmente não resolvem a complexidade do sistema fiscal nem representam modernização.

A proposta de convivência de dois sistemas por dez anos (PEC 45), ou cinco anos (PEC 110), é absolutamente impraticável e geraria confusão e insegurança, pois até hoje vemos pontos da legislação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sendo alterados pela jurisprudência.

A rápida evolução da tecnologia vem provocando a desmaterialização e desterritorialização das atividades econômicas e os países industrializados buscam formas de tributar as operações. O IVA, do qual o Brasil, em 1966, foi um dos precursores na implementação, embora com distorções, não atende a essa nova realidade. Não vale a pena “aprimorar o obsoleto”. Precisamos discutir um sistema que se adapte à realidade e se baseie na tecnologia para tributar a “nova economia”.

A prorrogação da desoneração da folha para 17 setores criou discriminação para os demais. Passou da hora de se criar um imposto sobre transações, que permita gerar recursos para a Previdência sem onerar o fator trabalho para todos os setores.

Voltando ao início, cabe destacar que o Simples não pode ser considerado “renúncia fiscal” — a exemplo das isenções contidas no texto constitucional para vários setores.

 

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 5 de janeiro de 2022.

 

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