CONGRESSO

Senado encara os desafios da regularização fundiária

Em audiência pública, comissões debatem com representantes da sociedade como equacionar direitos dos produtores rurais e proteção ambiental. Para Carlos Fávaro (PSD-MT), é preciso modernizar as leis

14/09/2021

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O senador Carlos Fávaro

 

Temas polêmicos e difíceis, como reconhece o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), a regularização fundiária e normas gerais para o licenciamento ambiental são assuntos de projetos de lei que estão sendo analisados nas Comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Meio Ambiente (CMA) do Senado. Para levar a discussão adiante, as duas comissões estão promovendo uma série de audiências públicas sobre a questão. Na terça-feira (14) foi realizada a primeira reunião conjunta para embasar a análise de projetos de lei que unificam a legislação fundiária para todo o país (PL 2.633/2020 e PL 510/2021).

Relator dos projetos, o senador Carlos Fávaro diz que é preciso enfrentar a modernização da legislação. “Temos de produzir com sustentabilidade, não transgredir em questões ambientais e não flexibilizar em marco temporal, para não sermos estímulo de novas invasões, para não dar uma mensagem errada. É hora de ajustarmos a legislação, ser justos e dar ferramentas modernas para que o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] possa fazer a regularização fundiária a pequenos e médios produtores brasileiros. Não podemos incentivar a venda de terras públicas a grandes latifundiários”.

O presidente da CMA, senador Jaques Wagner, da Bahia, e a senadora Zenaide Maia, do Rio Grande do Norte, são favoráveis à regularização fundiária, mas indagaram sobre o porquê de uma nova legislação, diante de um alto percentual passível de ser regularizado com a legislação vigente (de pelo menos 88%, com até quatro módulos). “Me parece meio anacrônico uma nova lei: vamos esgotar o estoque que é regularizável na lei atual, para só depois fazer uma nova legislação”, sugeriu Wagner.

Por sua vez, o senador Acir Gurgacz, de Rondônia, presidente da CRA, lembrou que seu Estado foi habitado a partir de uma grande reforma agrária e não havia conscientização com o meio ambiente na época. Hoje, porém, isso mudou, e é atualmente o Estado que mais vai ganhar com a regularização.

Números do Incra apontam que o público total de regularização fundiária e agrária é de 116 mil famílias (em 25 milhões de hectares) na Amazônia Legal, 185 mil (em 1milhão de hectares) em glebas fora da Amazônia e 688 mil famílias (em 44 milhões de hectares) em assentamentos.

Originário na Câmara, o PL 2.633 permite aumentar o tamanho (de quatro para seis módulos fiscais) de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia, a partir da análise de documentos e de declaração do ocupante de que cumpre a legislação ambiental.

Já o PL 510, do senador Irajá (PSD-TO), modifica o marco temporal para a comprovação da ocupação, que deverá ser feita pelo interessado ao demonstrar “o exercício de ocupação e de exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriores a 25 de maio de 2012”. Atualmente, para regularizar a terra, o ocupante tem de comprovar que está na área (com até 2.500 hectares) desde antes de 22 de julho de 2008.

Ineficiência do Estado

A promotora de Justiça do Ministério Público do Pará e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Eliane Cristina Pinto Moreira afirmou que o problema da regularização fundiária não na ausência de leis, e sim na ausência de aplicação das políticas públicas, com pouca efetividade.

Para a promotora, é preciso haver a elaboração de levantamento dos casos concretos para atendimento dentro das normas já vigentes, com imposição do respeito ao meio ambiente e à floresta como condição para o acesso à terra.

Eliane sugere ainda a criação de programa específico para atender a demanda residual, o respeito aos 2.500 hectares já definidos em lei e, por fim, a identificação das áreas do país em que o sensoriamento remoto não é capaz de alcançar as formas de ocupação existentes na área, para tratamento específico das demandas.

Os PLs retomam discussões inconstitucionais, segundo a promotora, a partir da dispensa da vistoria de 4 para 6 módulos (no Brasil, os módulos variam de 5 a 110 hectares); da autodeclaração e desvirtuamento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), do uso do dano ambiental (muitas vezes, crimes) como mecanismo de premiação fundiária e das mudanças no marco de ocupação. “Ambos os projetos estimulam ocupação em territórios de povos indígenas e de populações tradicionais, ao não criar travas legais efetivas”, afirma a promotora.

Ela destaca que nenhuma legislação vigente impede os que desmataram de ter acesso à terra. “Isso estimula o desmatamento, principalmente na Amazônia. O infrator termina obtendo a terra e sendo premiado”.

Criminalidade

A oferta de venda na internet, por grupos criminosos, de áreas protocoladas no Terra Legal é um indicativo da ação ilegal dos que se mobilizam para poder ganhar em cima das legislações em discussão no Congresso, segundo o pesquisador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão.

O pesquisador apontou que, dos 107 mil imóveis na base do Incra, 22 mil constam como não ocupados, o que indica um estoque para futura regularização, fato “muito preocupante”.

O presidente do Incra, Geraldo Melo Filho, esclareceu que o órgão é executor e que vai se adequar às alterações deliberadas, mas apontou questões propostas nos dois PLs que proporcionam inquietações: “Nos preocupam as alterações de requisitos legais que impactem no processo de análise automatizada de requisitos. Nos preocupa a imposição ao Incra de obrigações que excedem a sua competência fundiária, como ação ambiental. E, por fim, a perda do foco ou objetivo fundiário dessa legislação”, expôs.

Ao apresentar pela primeira vez a interface da Plataforma de Governança Territorial, Melo Filho explicou que essa nova ferramenta estará em operação a partir de dezembro de 2021, para atender o público das regularizações fundiárias e da reforma agrária.

A plataforma possibilitará o acesso de informações pessoais e do imóvel; solicitação on line de títulos; análise automatizada de requisitos para a titulação, inclusive com sobreposição de áreas; geração de relatório de conformidades com o resultado de análise; e apresentação ao requerente das pendências no processo, após a conclusão do requerimento. A ferramenta deve ajudar na regularização fundiária a partir da automatização do uso do sensoriamento remoto.

 

Fonte: Agência Senado

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